Publicada em 18/08/2016 às 09h44.
Após perdão do Papa, Juazeiro do Norte tem 20% mais romeiros
Após um século de retaliação da Igreja Católica, homenagem a Padre Cícero leva 2,5 milhões de fiéis ao Cariri, a maioria de Pernambuco e Alagoas.

Em tempo de romaria, 2,5 milhões de peregrinos transformam Juazeiro do Norte, no Ceará, em um microcosmo do sagrado e profano. Com maioria de fiéis de Pernambuco e Alagoas, eles tomam as ruas daquele rincão do Cariri, dividindo as calçadas com pedintes e ambulantes munidos de imagens de santinhos em tabuleiros. Na virada do século 19, uma hóstia teria ensanguentado a boca da beata Maria de Araújo, em 1899. Não previa o padre Cícero Romão Batista, que celebrara a missa, o fenômeno adorado por milhares e rechaçado pela Igreja, que mudaria o futuro da cidade.


Encabeçado pelo capelão, o “milagre da hóstia” não foi reconhecido pela Santa Sé. O perdão sacro só veio em dezembro de 2015, pelo atual Papa Francisco, após 100 anos de punição ao “padim”. Ano da Reconciliação, “as romarias de 2016 já registram 20% de aumento em relação ao ano passado”, conta a secretária de Romaria da Prefeitura de Juazeiro, Marli Bezerra.


Sentada à sombra da estátua de um Padre Cícero com 27 metros de altura, no alto da Colina do Horto, Maria da Silva Gomes, 67, sai de Delmiro Gouveia (AL) em peregrinação até a cidade há 40 anos. “Eu adoro ‘padim’ Ciço e Mãe das Dores”. Padroeira local, Nossa Senhora das Dores é a santa por quem os católicos peregrinam no mês de setembro – em 2015, 350 mil migraram no período para o Cariri.


“Todo desdobramento da história do Padre Cícero, do Juazeiro e da devoção que se toma em torno desse milagre, inclusive de adversidades com certa perseguição do poder eclesiástico local, ganham contornos extraordinários”, afirma Antônio Braga, sociólogo especialista na vida do pároco. A chave da questão é que o Padre Cícero não liderou apenas uma igreja e um rebanho, mas também foi responsável pela prosperidade econômica e política de Juazeiro do Norte, da qual chegou a ser prefeito. Juazeiro deixou de ser um lugarejo submisso ao Crato (CE) – sendo emancipado pelo religioso há 105 anos – para receber uma turba de romeiros o ano inteiro.


O homem por trás da batina tinha aproximação a políticos, como o amigo e deputado federal Floro Bartolomeu (1876-1926), que lhe trouxe um faqueiro de prata e porcelana da Europa (a coleção é exposta no Memorial Padre Cícero, em Juazeiro). Esse cerco ao poder é visto por críticos como nefasto para a vida santa do padre. Já o sociólogo Antônio Braga relaciona o poderio à conjuntura social. “Você não consegue entender o que é o Padre Cícero sem entender o contexto histórico em que ele estava inserido e parte desse contexto está ligada ao coronelismo”. Mas o crédito do Padre Cícero surgiria, justamente, do papel carismático dele como liderança religiosa.


O viés religioso motiva os romeiros a rezar pelo padre e a clamar por ele nos momentos de alegria e, sobretudo, de dor. “Estou aqui pagando uma promessa de uma doença que tive há três anos. Foi um começo de AVC, hérnia de disco e bico de papagaio”, fala o músico Mestre Expedito, 67, feliz por ter chegado a pé à famosa estátua de Padre Cícero (após uma caminhada de cerca de duas horas) na Romaria de Finados, em novembro de 2015. Por causa da enfermidade, ele só andava com apoio de uma muleta.


Tampouco é atrás da figura política do líder popular que a neta do cangaceiro Antônio Ferreira Lima paga uma promessa rogada pela avó há cerca de um século. Maria José de Souza, 58, talvez não estivesse viva não fosse a piedade de Lampião e a fé no “padim”. “Para escapar de Lampião, foi preciso minha avó fazer uma penitência: vir para o Juazeiro a pé, vestir a batina de Padre Cícero”. Lampião era primo do avô dela, que largou o cangaço para viver com a família em um sítio de Serra Talhada, no Sertão do Pajeú pernambucano. Para descontar a “traição”, Lampião jurou morte ao filho do casal, mas acabou poupando o nascituro. A devoção de Maria José, hoje moradora de São José dos Campos (SP), ressoa no coro de outros 2,5 milhões de fiéis anuais, segundo cálculo da Prefeitura de Juazeiro.


De acordo com o sociólogo Antônio Braga, a condição do milagre da hóstia, que motivou as primeiras romarias a Juazeiro, foi sendo secundarizado ao ponto de desaparecer, uma vez que os romeiros buscam a figura de proteção e auxílio do vigário. “As romarias mostram que a relação dos romeiros com o padre vai além da figura concreta do sacerdote”.


Além do milagre e da condição religiosa, o cenário geográfico também foi crucial para transformar a pequena vila incrustada no interior do Ceará em um dos centros de peregrinação mais conhecidos da América Latina. “As secas de 1877, 1888, 1898, 1900 e 1915 foram fundamentais para a produção do espaço regional, influenciando decisivamente as migrações para o Cariri e Juazeiro do Norte”, afirma o geógrafo Cláudio Smalley. “O Cariri era uma região de intensa atividade agrícola, com solos férteis e clima que ofereciam condições para o desenvolvimento de uma agricultura forte”.


Curiosamente

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