Bairros de Porto Alegre estão sendo esvaziados / Foto: Getty.
Uma
semana após o início das fortes chuvas que deixaram parte do Rio Grande do Sul
debaixo d'água, o número de pessoas desabrigadas no estado duplicou nesta
segunda-feira (6) no estado. Segundo o boletim mais recente da Defesa Civil,
divulgado no início da noite, 47.676 pessoas estavam nesta situação, contra
cerca de 20 mil no levantamento anterior, do meio-dia.
Entre
as pessoas afetadas estão moradores de dois bairros da região central de Porto
Alegre que saíram de suas casas diante da iminência de novas enchentes após o
desligamento do sistema de bombeamento de água na tarde desta segunda.
Até
agora, as chuvas deixaram 85 mortos e 339 feridos no estado. Ainda há 134
desaparecidos.
Com
mais de 5 metros acima do nível normal, o lago Guaíba deve demorar mais de 10
dias para ficar abaixo da cota de inundação, de 3 metros, segundo estimativas
do governo estadual. A previsão, portanto, irá prolongar a emergência na
capital gaúcha e nos demais municípios afetados.
Nesta
segunda, o governador Eduardo Leite (PSDB) reconheceu calamidade pública em 336
das 497 cidades do estado.
O
aeroporto internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, fechado desde
sexta-feira (3) em decorrência das enchentes, não tem previsão de quando os
voos serão retomados, segundo a concessionária responsável. As companhias
aéreas suspenderam voos para o local até o fim do mês.
Além
do isolamento, os moradores da capital relatam saques em mercados, lojas e
farmácias.
A
moradora do centro histórico Emely Jensen, que tem um apartamento em zona não
alagada, conta que deixou o bairro após sofrer uma tentativa de assalto no
domingo (5). "Isso nunca aconteceu comigo antes, nem mesmo à noite",
diz. "Comecei a ficar com medo de ficar na região."
Por
estar às margens do rio Gravataí e do Guaíba, a capital gaúcha tem um sistema
de escoamento de água que inclui diques e comportas de até 5 metros de altura,
acionadas em caso de cheia.
Há
também 23 casas de bomba distribuídas pela cidade, que são reservatórios onde a
água é retida em caso de cheias. Diante das enchentes, apenas quatro estão em
funcionamento atualmente.
Uma
delas, desligada nesta segunda, capta água do centro da cidade durante chuvas
fortes e a bombeia para o Guaíba. Inoperante, o volume drenado em dias
anteriores voltou a se espalhar e ocupar as ruas dos bairros Cidade Baixa e
Menino Deus.
De
acordo com o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), o desligamento da
casa de bomba foi uma decisão tomada pelos técnicos que operam o sistema devido
às recorrentes descargas elétricas em função do contato da água com o painel
elétrico. "As pessoas começaram a sentir choques nessa região,
especialmente, o operador da casa", disse o prefeito.
Uma
moradora de um dos bairros relatou que, após o desligamento das bombas, a água
subiu rapidamente e chegou na altura da cintura. Vizinhos usaram jet ski para
se locomover perto de sua casa, localizada a cerca de 2 quilômetros da orla do
Guaíba.
A
gestão do prefeito Melo foi alvo de uma série de ataques nas redes sociais por
avisar sobre o desligamento das bombas após as ruas já estarem tomadas pela
água. Em entrevista coletiva, ele disse que o momento é de união.
O
prefeito também afirmou que será feito um plano de logística para permitir a chegada
de veículos à capital gaúcha, principalmente, de caminhões com doações de
estados vizinhos, como Paraná e Santa Catarina.
O
sistema desligado pela interrupção do fornecimento de energia é vizinho da sede
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Usado
como centro de referência para acolhimento na cidade, o Teatro Renascença teve
que ser esvaziado por estar situado na área afetada pelo desligamento do
sistema de escoamento. A triagem foi direcionada para o Grêmio Geraldo Santana,
no Bairro Santo Antônio.
Ali,
Gilson Luis Garibaldi, 64, procurava a mulher, resgatada dias antes no
apartamento do cunhado. Mesmo no segundo andar, a água subiu. "Deixei o
espaço no resgate para uma senhora e aí fiquei separado da minha mulher",
conta.
Após
várias ligações de um celular emprestado que caíram na caixa postal da mulher,
Gilson foi atendido. Ela já havia passado pela triagem e estava em um abrigo.
"Vou te encontrar", comemorou ao telefone.
Outro
ponto de atendimento às vítimas, uma tenda montada na orla do Guaíba, recebeu
nesta segunda moradores de Eldorado do Sul. Todos os bairros do município foram
atingidos pelas águas. No grupo estava a fisioterapeuta Cássia Fortunato
Rodrigues, 36.
"Não
sobrou nada da cidade sem água", começou falando e alternou do tom ameno
para o choro, "vai ser pior a hora que se deparar com o que ficou",
disse.
A
situação calamitosa levou o Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do
Estado do Rio Grande do Sul a desligar o centro de processamento de dados de
todo estado. Isso deixou as polícias gaúchas sem sistema, assim como o site
oficial do governo, que chegou a ficar fora do ar.
A
sensação de insegurança tem feito moradores da ilha da Pintada, no bairro
Arquipélago, a região mais afetada de Porto Alegre, a se recusarem a deixar
suas casas por medo de saques. "Meu pai não quis sair de casa na
quinta-feira (2) quando dava tempo e ficou sob cuidados de parentes. Na
madrugada de quinta para sexta tiveram que resgatá-lo e ele estava com água na
cintura", diz Paula Reis de Lima.
Paula
diz que os ataques costumam ocorrer à noite. "Não ligam o motor, vão a
remo, se arriscam inclusive, entram nas casas e fazem esses saques. Algumas
pessoas colocam coisas no forro, no alçapão, e tem gente que se aproveita dessa
situação."
Outro
problema enfrentado na capital gaúcha é a infestação de baratas e ratos. As
pragas, segundo relatos, estariam deixando o subsolo inundado para se abrigar
em locais secos.
Casas
e apartamentos também estariam sendo invadidos. Moradores disseram à reportagem
estarem amedrontados sobre doenças (ratos são transmissores de leptospirose) e
roubo de alimentos pelos animais. Além disso, afirmam estar jogando seu lixo em
locais longe dos que habitam para afastar as baratas. A prefeitura não se
pronunciou sobre o tema.
"Estou
trancando tudo. Tenho criança em casa e muito medo de entrar bicho aqui",
declarou Giulia Gotti, 32, moradora da Santa Cecília, na região central.
"A situação já está ruim o bastante", acrescentou.
Fora da capital, cidades têm enfrentado colapso nos serviços públicos e milhares de desabrigados. O prefeito de Canoas, Jairo Jorge (PSD), afirmou que os alagamentos atingiram o hospital municipal, três UPAs, quatro farmácias, além de 19 das 27 unidades básicas de saúde existentes. Ao todo, 16.697 pessoas foram acolhidas em 61 abrigos distribuídos na cidade, que deve receber três hospitais de campanha. Dos 40 mil habitantes, 30 mil foram afetados pela enchente.
FONTE: NOTÍCIAS AO MINUTO.