Condenados do 8/1 quebram tornozeleira e deixam país / Foto: Getty.
Ao menos dez militantes
bolsonaristas condenados ou investigados por participarem dos ataques golpistas
às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro do ano passado, quebraram suas
tornozeleiras eletrônicas e fugiram do Brasil.
Levantamento feito pelo UOL
aponta que ao menos 51 pessoas suspeitas de participar de atos golpistas após
as eleições presidenciais de 2022 têm mandados de prisão em aberto ou fugiram
após quebrar as tornozeleiras eletrônicas.
Entre elas, a reportagem
identificou dez pessoas que fugiram para o exterior neste ano pelas fronteiras
de SC e RS (veja abaixo quem são os fugitivos). Os destinos delas foram a
Argentina e o Uruguai.
Sete dos fugitivos já foram
condenados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a mais de dez anos de prisão por
participarem de tentativa de golpe de Estado no 8 de janeiro.
Seis dos dez fugitivos são
mulheres, e a maioria é de estados do Sul (PR e SC) e do Sudeste (SP e MG). A
idade média deles é de 50 anos.
O levantamento foi feito com
base em registros do STF e CNJ (Conselho Nacional de Justiça), como ordens de
prisão, e em entrevistas com parentes, investigadores, amigos e advogados.
Um dos fugitivos -que se
considera um exilado político- faz até campanha em redes sociais para financiar
sua permanência no exterior. O pedreiro Daniel Bressan tenta vender produtos e
já ofereceu até uma rifa de um Fiat Uno 2015.
As polícias civis de SC e RS
disseram que não foram solicitadas a fazer buscas pelos fugitivos. A Polícia
Civil do Paraná não se manifestou. Os órgãos de administração penitenciária do
PR e de SC se negaram a informar quantos investigados quebraram tornozeleiras
ou fugiram desde o ano passado.
Procurados, o STF e a PF não
se manifestaram sobre as buscas. Não há alertas públicos da Interpol (polícia
internacional) pelos fugitivos.
Os advogados dos investigados
e réus negam que eles tenham depredado prédios públicos ou participado de
tentativa de golpe de Estado nos ataques de 8 de janeiro. Alguns afirmaram que
estavam nos prédios dos Três Poderes apenas para se protegerem de bombas
lançadas por agentes de segurança.
"Estes [os que foram
presos no Palácio do Planalto] têm que pagar pelo que fizeram, mas [para] o
crime de depredação não cabe prisão desse jeito. O Estado não é o Palácio. Você
não atentou contra o Estado invadindo o Palácio, ainda mais num domingo",
disse Cláudio Caivano, advogado de fugitivo e outros 20 bolsonaristas.
Ao menos um dos fugitivos
afirma ter pedido asilo político à Argentina. As assessorias dos ministérios do
Interior e das Relações Exteriores argentinos disseram ao UOL que não
revelariam quem entrou no país ou quem pediu asilo por se tratarem de dados
pessoais.
Pelas leis brasileiras, a
destruição da tornozeleira e a fuga não aumentam a punição, mas o fugitivo
perde o direito ao regime aberto e volta ao semiaberto ou fechado. Por outro
lado, facilitar a fuga é crime punível com seis meses a dois anos de detenção.
QUEM
SÃO OS FUGITIVOS
Ângelo Sotero, músico, 59 anos, de Blumenau (SC)
Foi condenado a 15 anos e meio
de prisão por tentativa de golpe de Estado e associação criminosa armada no 8
de janeiro.
Em depoimento, Sotero disse
"ter tomado conhecimento que seria preso quando estava no Palácio do
Planalto, depois de um certo tempo sentado, orando".
Meses após a prisão, ele foi
solto com uso de tornozeleira. Há cerca de um mês, quebrou o equipamento e
fugiu, segundo o advogado dele, Hemerson Barbosa.
Fontes ouvidas pelo UOL dizem
que Sotero se juntou a um grupo de dez bolsonaristas e chegou à Argentina por
meio da fronteira de Dionísio Cerqueira (SC).
Embora afirme não ter
incentivado a fuga, o defensor diz apoiá-la. Ele nega saber o paradeiro do
cliente.
"É um julgamento
político. Se eu estivesse no lugar dele, eu faria a mesma coisa. Não cumpriria
ordem do Alexandre de Moraes", disse Hemerson Barbosa, advogado de ngelo
Sotero.
Gilberto Ackermann, corretor
de seguros, 50 anos, de Balneário Camboriú (SC)
Ele pegou 16 anos de prisão
por participar do 8 de janeiro invadindo o Palácio do Planalto. Foi condenado
por tentar um golpe de Estado e por deterioração do patrimônio tombado, entre
outros crimes. Ele nega ter quebrado objetos no local.
A cunhada e advogada dele,
Fabíola Paula Beê, diz que ele fugiu em 25 de abril e que a família não sabe
para onde ele foi.
Às 18h35 daquele dia, a 1ª
Vara Criminal de Camboriú ordenou que o STF fosse comunicado "com
urgência" de que sua tornozeleira parou de funcionar e que ele não atendeu
aos telefonemas da central de monitoramento. A informação só chegou ao STF
quatro dias depois em um malote digital do Judiciário.
Segundo investigadores,
Ackermann faz parte do mesmo grupo que fugiu para a Argentina com o músico
Ângelo Sotero.
A defensora tenta recursos no
STF. "O conjunto probatório deixa claro que o réu não tentou obstruir os
Poderes e muito menos tentou dar golpe de Estado, visto que não teria poderes
para isso", afirmou ela, em uma das peças da defesa.
Raquel de Souza Lopes, 51
anos, de Joinville (SC)
A PGR (Procuradoria-Geral da
República) diz que ela destruiu bens. Raquel nega.
Em abril, ela fugiu para a
Argentina, segundo investigadores e testemunhas ouvidas pelo UOL.
O filho dela, Acenil Francisco
Júnior, diz não ter informações sobre a mãe ou sobre a fuga. "Faz tempo
que não tenho notícia dela. Não sei dizer."
A defesa, que também diz
ignorar o paradeiro de Raquel, tenta recursos no STF.
Luiz Fernandes Venâncio,
empresário, 50 anos, de São Paulo (SP)
Ele é réu em ação penal no STF
pelos ataques golpistas do 8 de janeiro.
Em vídeo gravado na Argentina,
ele relata que fugiu do Brasil e que pediu asilo ao governo de Javier Milei,
aliado de Jair Bolsonaro (PL). O advogado Cláudio Caivano diz que Venâncio
aguarda audiência sobre um pedido de asilo.
Segundo Caivano, Venâncio estava
na Praça dos Três Poderes, mas não invadiu nem depredou nenhum prédio.
Preso no dia seguinte aos
ataques, ele conseguiu deixar a cadeia após obter liberdade condicional. No
início deste ano, Venâncio saiu da área permitida para uso da tornozeleira.
Questionado, pediu ampliação da área até Guarulhos (SP), para poder trabalhar.
A PGR pediu sua prisão, e o
mandado foi expedido em 21 de março. A família e o advogado estimam que ele
fugiu entre 1º e 20 de março.
No vídeo, Venâncio aparece em
frente à Casa Rosada, sede do governo argentino, em Buenos Aires.
"Nós já entramos com
processo para fazer a solicitação para que a gente obtenha nosso asilo
político. Já fomos muito bem recebidos. Nós sabemos o quanto foi sofrido esse
um ano com essa tornozeleira nos pés e a expectativa frustrada de alguns
políticos. Eles colocaram isso no nosso pé e nós ficamos calados. Poucos foram
os que [se] rebelaram", afirmou o fugitivo.
A defesa dele reclama da falta
de acesso ao inquérito que gerou a ação penal. Caivano reclama que as
exigências de Moraes são muito severas em comparação com outros presos.
"Uma pessoa não pode trabalhar, e aí é exarado mandado de prisão por
descumprir cautelares", critica o defensor.
Flávia Cordeiro Magalhães
Soares, empresária, 47 anos
Ela responde a investigações
relacionadas a ataques contra o resultado das eleições de 2022. Segundo
Alexandre de Moraes, Flávia "se utiliza de passaporte internacional para
ingressar e sair do país sem se submeter às autoridades nacionais".
Flávia está foragida pelo
menos desde o início de fevereiro, segundo indica o mandado de prisão em
aberto. Ela teve uma conta em rede social derrubada e faz parte de um movimento
de direita chamado "Yes Brazil".
Em vídeo de dezembro, ela
afirmou possuir cidadania norte-americana e que só a usa porque "o Brasil
está uma ditadura muito grande".
Flávia também contou ter sido
abordada pela Polícia Federal no aeroporto de Recife. Segundo ela, um policial
disse que ela foi acusada de falsificar passaportes: "Ele [Alexandre de
Moraes] é o Deus do Brasil", criticou.
O UOL não localizou os
advogados dela.
Alethea Verusca Soares, 49
anos, de São José dos Campos (SP)
Foi condenada pelo STF a 17
anos de prisão por tentar um golpe de Estado, deterioração do patrimônio
tombado e associação criminosa armada.
Ela entrou no Palácio do
Planalto durante os atos golpistas.
Em depoimento, Alethea disse
que seu objetivo era conseguir "mais transparência acerca de como
ocorreram as votações e segurança das urnas eletrônicas".
Alethea nega depredações.
Afirmou ter entrado no Palácio do Planalto porque "havia muitas bombas, e
estava passando mal, chegando a vomitar numa lixeira".
Ela foi presa, mas conseguiu a
liberdade com uso de tornozeleira. No início de janeiro, Alethea fugiu para o
Uruguai pela fronteira de Santana do Livramento (RS).
"A Polícia Federal
noticiou, nos presentes autos, a evasão da ré para o Uruguai, destino
provavelmente escolhido como decorrência do fato de que a maior parte da
fronteira do Brasil com esse Estado soberano é seca, com cidades gêmeas,
separadas por apenas uma rua, dificultando o registro da sua saída do
território nacional", relatou a corporação, de acordo com o mandado de
prisão.
Por causa da fuga, o STF
ordenou o bloqueio de suas contas bancárias. Do Uruguai, ela entrou na
Argentina em 12 de abril, segundo uma fonte relatou ao UOL. A defesa dela não
quis prestar esclarecimentos à reportagem.
Rosana Maciel Gomes, 50 anos,
de Goiânia (GO)
Foi condenada a 14 anos de
prisão por tentar um golpe de Estado e dano qualificado, entre outros crimes.
A PGR diz que ela participou
de atos de depredação no 8 de janeiro. Rosana nega, alegando que entrou no
Palácio do Planalto porque helicópteros lançavam bombas de gás.
Ela foi presa e, depois, solta
em liberdade condicional com tornozeleira. Está foragida desde 15 de janeiro,
quando não compareceu ao juízo.
Ela fugiu para o Uruguai por
meio da fronteira em Santana do Livramento (RS), a 2.145 km de seu endereço. De
lá, chegou à Argentina.
O UOL apurou que ela entrou na
Argentina em 12 de abril. Por causa da fuga, o STF confiscou suas contas
bancárias. A defesa de Rosana não quis prestar esclarecimentos à reportagem.
Jupira Silvana da Cruz
Rodrigues, 58 anos, de Betim (MG)
Foi condenada em setembro a 14
anos de prisão por tentar um golpe de Estado, deterioração de patrimônio
tombado e associação criminosa. Jupira entrou no Palácio do Planalto, mas nega
a acusação do MPF (MInistério Público Federal) de quebrar vidros e objetos.
Ela fugiu para o Uruguai em
janeiro deste ano. Para isso, Jupira usou a fronteira seca de Santana do
Livramento (RS), segundo a PF.
A defesa de Jupira não prestou
esclarecimentos à reportagem.
Daniel Luciano Bressan,
pedreiro e vendedor, 37 anos, de Jussara (PR)
Réu em ação penal, ele foi
acusado pela PGR de participar dos ataques golpistas do 8 de janeiro. Daniel
nega ter entrado no Palácio do Planalto.
Laudo da PF que comparou
imagens de Bressan às de uma pessoa que estava no prédio afirma que apenas a
orelha do fugitivo se assemelha às imagens das câmeras de segurança. O advogado
dele, Ezequiel Silveira, vai apresentar a defesa contra a denúncia nos próximos
dias.
Segundo seus familiares,
Bressan estava com dificuldade de trabalhar e resolveu sair do país. Thiago
Elord, primo dele, diz não saber seu paradeiro. "Ele teve que se exilar
para não ser preso", disse. "Vai pegar cadeia de novo por não ter
feito nada, só por se manifestar? Ele ficou 65 dias na [penitenciária da
Papuda."
Fontes ouvidas pelo UOL dizem
que ele fugiu para a Argentina. Em 24 de abril, Bressan disse em vídeo,
publicado em rede social, que estava no exterior "devidamente
documentado". Em outro vídeo divulgado quatro dias depois, ele divulga a
venda de "pulseiras patriotas" para financiar fugitivos no exterior.
"Sou um preso político e,
neste momento, um exilado político", afirmou ele no vídeo em que oferece
sua conta bancária no Brasil para receber as vendas. "Aqui no exílio não é
fácil, longe da família." Na última sexta-feira (10), ele ofereceu em rede
social um Fiat Uno 2015 de cerca de R$ 35 mil em uma rifa virtual criada pelo
primo Thiago.
O UOL consultou três advogados
que opinaram que, se a Justiça entender que intenção seja financiar e manter
uma fuga, o doador pode ser enquadrado em crime de associação criminosa.
Fátima Aparecida Pleti,
empresária, 61 anos, de Bauru (SP)
Foi condenada a 17 anos de
prisão por tentar dar um golpe de Estado e tentar abolir o estado democrático
de direito. Depois do quebra-quebra em Brasília, ela foi detida, mas conseguiu
liberdade condicional mediante o uso de tornozeleira.
O julgamento de Fátima começou
em 22 de março. Quatro dias depois, ela quebrou sua tornozeleira, segundo a
Justiça de Bauru (SP). A autoridade penitenciária do governo de SP só informou
o fato ao Judiciário duas semanas depois.
No dia seguinte, 8 de abril, o
Judiciário estadual informou ao STF sobre a quebra da tornozeleira. Não há
mandado de prisão público.
Dois advogados da empresária
procurados pelo UOL não prestaram esclarecimentos após procurados por telefone
e mensagens via celular.
Em 2022, Fátima trabalhou na campanha de um candidato a deputado estadual do PL.
FONTE: NOTÍCIAS AO MINUTO.