A ofensiva para inibir a realização de shows irregulares bancados com recursos públicos levou o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) a ajuizar cerca de 90 ações, entre aberturas de inquéritos civis, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e recomendações, apenas no ano de 2016. A ampla maioria se refere às prefeituras que realizaram festas com salários de servidores e obrigações administrativas em atraso, sendo as irregularidades mais tradicionais, fraudes nos processos licitatórios e uso de promoção pessoal de lideranças políticas em eventos que receberam aporte público.
Em meio ao agravamento da crise nacional, a ação contra prefeituras que realizaram shows sem condições econômicas foi mais forte. Pelo menos, 48 recomendações foram enviadas para 40 municípios pernambucanos para cancelar o investimento em festividades, diante do atraso de pagamento dos servidores e falta de cumprimento das obrigações financeiras. Um caso extremo foi o da Prefeitura de Orocó, no Agreste, que, mesmo tendo decretado estado de emergência devido à seca, realizou a festa de Carnaval, em 2013. A ação foi impetrada neste ano, mas o prefeito Reginaldo Crateu Cavalcanti (PT), responsável pela administração à época, também teve suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), no mesmo exercício.
“Apesar de não pagarem seus funcionários ou atrasarem a compra de medicamentos e insumos necessários para a prestação de serviços à comunidade, eles tinham em caixa R$ 300 mil ou R$ 400 mil, às vezes até mais, para torrar uma quantidade de dinheiro em apenas algumas horas de shows, enquanto a população ficava à mercê da ausência dos serviços essenciais”, afirmou o promotor do MPPE, Maviael Souza.
Diante da pressão, administradores municipais optaram por pagar salários em cima da hora ou assinar termos de ajustamento de conduta para conseguir realizar festas. “Muitas cidades chegaram a pagar os salários e assinar TAC para realizar essas festas. Quais explicações eles têm para dar em relação a isso? De onde surgiram esses recursos? Faltava planejamento ou boa vontade aos gestores? Em momentos de crise, a opção deve ser para o que é básico e essencial à população. E creio que festas não são”, avaliou Souza.
Das cerca de 90 ações, o MPPE detectou 11 casos de irregularidades no cumprimento da Lei n° 8.666/93 (Lei de Licitações) para a contratação de shows e bandas em dez cidades do Estado. Os problemas vão desde falhas na documentação até falsas declarações de exclusividade de artistas para embasar a dispensa de licitação e facilitar a contratação com poder público. “Tem empresário que não é exclusivo do cantor, mas se declara, para obter contrato. Documentações com defeitos, que chegamos a ter dúvidas de que sejam verdadeiras. Contratos realizados por pessoas vinculadas às prefeituras, como secretários e gestores”, explicou.
A presença de intermediários entre artistas e o poder público é outro elemento controverso na contratação de shows. Segundo Souza, gestores públicos atravessam a contratação com os artistas, estabelecendo contratos nebulosos. “Artistas chegam a nos dizer que foram contratados diretamente por secretários e diretores, como se eles fossem seus empresários ou contratantes. Temos muitos problemas com intermediários. Existem pessoas cuja única função é intermediar contratos com poder público, com uma influência excessiva nas administrações”, disse.
Em Saloá, no Agreste, o caso foi ainda mais grave. O MPPE abriu inquérito civil contra o município por suspeita da contratação de um show na cidade, por meio de uma produtora fantasma.
Outro problema, constante, permanece sendo a promoção pessoal de gestores e lideranças políticas em shows bancados com recursos públicos. No São João deste ano, o MPPE tomou uma precaução especial, por ser tratar de ano eleitoral. O órgão enviou uma recomendação aos seus promotores para publicar, em suas cidades, a sugestão expressa para os agentes públicos evitarem a citação de nomes, premiações ou menções aos agentes públicos. “Verificamos que a promoção pessoal acontecia com deputados e prefeitos que faziam publicidade pessoal em suas cidades. Se um artista for cantar, tem que orientar para não haver citação direta ao gestor. Cite a prefeitura e a cidade, mas não o gestor”, recomendou o promotor.
FolhadePE