Nenhum dos 300 mil visitantes aguardados pela organização da 17ª edição da Feira Nacional de Negócios do Artesanato (Fenearte) poderá ter acesso à rica obra de Manuel Eudócio, mestre ceramista um dos dois homenageados do evento. Falecido em 13 de Fevereiro deste ano aos 85 anos, Eudócio foi escolhido para ser, ao lado do músico Naná Vasconcelos, o rosto do evento, mas não teve nenhum espaço reservado para a cultuação de sua história. No ano passado, uma galeria foi montada para os homenageados da 16ª edição e, este ano, uma praça foi construída em homenagem a Naná, que também é lembrado diariamente em atos durante apresentações culturais no palco da praça de alimentação do evento. A Manoel, para que não deixasse de ser mencionado, restou um pequeno estande onde os filhos do artesão expõem obras feitas por eles mesmos, mas sem nenhuma estrutura para a apresentação das caras e delicadas esculturas produzidas pelo pai em sete décadas de dedicação à arte.
Sob o tapete vermelho da famosa Alameda dos Mestres, que ocupa os dois primeiros corredores do evento e ao lado de outros 62 estandes de artistas pernambucanos, a família de Mestre Eudócio tem de se limitar a um espaço de apenas três metros quadrados, com algumas prateleiras e duas cadeiras de plástico para lutar pela manutenção da história do ceramista. Nascido em 1931, Eudócio deixou um grande acervo em seu ateliê no Alto do Moura em Caruaru, no Agreste do Estado, onde viveu a vida inteira e criou os nove filhos com o dinheiro que a natureza lhe deu. Apesar de ter sido convidado a emprestar seu nome para o evento, não teve o digno direito de expor sua obra na amostra aos visitantes.
“Há dois meses, fiquei sabendo que ele seria homenageado e esperava um mínimo de reconhecimento ao legado de papai. Infelizmente, não nos foi oferecido um ambiente com condições mínimas para a segurança das obras dele que são caras e poderiam ficar muito vulneráveis. Nos deram apenas esse pequeno estande para colocarmos nossas obras misturadas as dele e achamos por bem preservar o acervo e trazer apenas aquilo que nós mesmos produzimos”, explicou um dos filhos de Eudócio, Ademilson Rodrigues, que, assim como outros três irmãos, seguiu os passos do pai e também virou ceramista. Segundo o filho, muitas obras poderiam ser apresentadas. “Guardamos obras lindas como um casal de cangaceiros de 1,5m de altura e uma escultura de 20cm de uma velhinha que tira um bicho-de-pé do marido feito por ele em 1949”, comentou, lembrando que enquanto montava a exposição, uma prateleira do estande caiu quebrando várias obras e calculando o prejuízo que seria se o acidente tivesse envolvido uma das esculturas deixadas pelo pai.
José Silvano Rodrigues, outro filho do artesão, lamentou a falta de atenção com a memória do Eudócio. “Aqui tem grandes artistas, mas, enquanto homenageado, ele deveria ter recebido uma atenção especial. Esse pequeno espaço dificultou a exposição dos produtos e, por isso, saímos prejudicados”. “Acho que se não dava para homenagear agora, que não fizessem e deixassem para uma outra oportunidade. Ele expôs na Fenearte durante 16 anos e quando foi a vez de ser homenageado não apresentou nada. Esse estande não é homenagem, porque sempre o tivemos”, finalizou.
Visitante da exposição, a advogada Gisele Martorelli, mostrou-se surpresa com a falta de obras do homenageado. “Quando cheguei, a primeira coisa que procurei foi alguma peça feita por ele e fiquei triste por não ter nenhuma. Ele faleceu esse ano e, como todo pernambucano conhece ele, acho que deveria ter tido um espaço de muito mais destaque para as relíquias que ele deixou”. O promotor de justiça, Vladimir Acioli, também esperava saber mais da história do artista. “Acho lamentável não ter um ponto de destaque para o Manuel. Deveria ser apresentado um documentário com depoimentos e obras que não deveriam ser vendidas, mas apenas apreciadas como expressão artística do cotidiano popular”.
De acordo com o coordenador da Fenearte, Thiago Ângelus, ambos os artistas estão sendo homenageados. “Perdemos os dois no início deste ano e achamos que deveríamos prestar tributo por tudo que representam para a cultura. Os dois são lembrados através da cenografia feita, onde temos uma grande foto dos dois na frente da exposição e a família de Mestre Manuel tem um estande todo dedicado a eles”. “Já estávamos com licitações em andamento e fazer modificações contratuais é muito complicado e devido ao pouco tempo tivemos dificuldades, mas, no ano que vem, vamos ter um espaço maior e mais estruturado para Eudócio”, analisou.
Enquanto os filhos de Eudócio passam quase imperceptíveis em mais um dos 800 estandes da feira, o outro homenageado, o percussionista Nana Vasconcelos é lembrado constantemente no evento. Além das várias apresentações de maracatu que acontecem diariamente na praça de alimentação do evento em homenagem ao artista, uma praça foi construída e instalada em referência ao músico.
No ano passado, toda a decoração do evento foi inspirada na história dos homenageados, o poeta popular Lourival Batista, o Louro do Pajeú, e o artesão Manoel Borges da Silva, conhecido Mestre Nuca de Tracunhaém, que teve seus leões de jubas encaracoladas espalhados por vários painéis. Além disso, a produção de ambos foi retratada em documentários e apresentada em uma exposição na Galeria de Homenageados em um espaço de destaque na feira.
FolhadePE