César aprendeu na prática a cortar cabelos, barbas e bigodes. Faz tudo de cima da própria cama
Foto: Arquivo pessoal/cortesia
Sentado em uma almofada no chão, o cliente acomoda-se para ser atendido enquanto outros aguardam a vez nas cadeiras de espera. No salão improvisado no próprio quarto, César da Silva, 41 anos, morador de Palmares, na Mata Sul, maneja tesouras, máquinas e navalhas com desenvoltura, moldando os cortes do momento na cabeça da clientela, que também disputa a agenda dele para serviços de design de sobrancelhas ou para dar um bom trato na barba e no bigode. O inusitado é que o cabeleireiro, paraplégico há cerca de 20 anos, faz isso deitado em sua cama.
Aos 21 anos, César da Silva perdeu o movimento das pernas depois de um mergulho no rio Pirangi, em Palmares, onde mora. Entrou sozinho nas águas e nelas disse adeus à autonomia e à vida como estava acostumado. Dependente, na cama, ficou deprimido. Chegou a pensar em suicídio, até a mãe lhe dar uma máquina de cortar cabelos.
“Consegui cortar os meus cabelos sozinho, isso despertou meu interesse pela profissão de cabeleireiro. Descobri um talento”, lembra. Foi como renascer. Começou a observar colegas que trabalhavam na área, a pesquisar técnicas, pensava dia e noite nas criações capilares. Passou cerca de quatro anos fazendo cortes de graça e, sem nunca ter feito um curso na área, aprendeu na prática os segredos da profissão. “Antes do acidente era acomodado, não trabalhava, vivia de bicos. Hoje não tem nada que eu não consiga fazer como cabelereiro. Isso deu sentido à minha vida, não faço por dinheiro, mas por amor.”
No início, cobrava apenas R$ 1 por serviço prestado até ganhar confiança e clientela. A escolha por fazer os cortes deitado, em vez de sentado numa cadeira de rodas, foi uma opção em prol da qualidade do trabalho. “A cadeira não oferece o apoio necessário. Desenvolvi minha técnica na cama, de onde consigo fazer o acabamento ideal”, conta.
Atualmente, os serviços custam, em média, R$ 10. Entre os mais pedidos estão os cortes degradês com desenhos feitos à máquina, muito variados. As sobrancelhas moldadas à navalha e pintadas com henna também. “Ele faz meu cabelo e sobrancelhas há mais de dez anos. É melhor do que cirurgião plástico! As pessoas sempre perguntam quem é meu cabelereiro”, conta François Gomes, 24.
A mãe, Marlete Freitas da Silva, 68, com quem mora, é sua fiel ajudante nas tarefas diárias como comer, tomar banho, limpar o quarto e sair, mas ele sai pouco. Gosta mesmo é de navegar na internet e trabalhar. Além de complementar o orçamento doméstico, formado pelas aposentadorias dele e da mãe, a renda como cabelereiro ajuda a conquistar pequenos sonhos, como uma máquina de cortar cabelos nova (a primeira já estava ultrapassada). “Também tenho outros planos, como fazer um curso de pintura capilar e comprar uma cadeira de rodas reclinável, que deixa a pessoa quase de pé. Assim, poderia olhar diretamente nos olhos das pessoas. Hoje vejo todo mundo de baixo pra cima”, comenta.
Mas, sonho mesmo é um dia cortar os cabelos de Neymar. “Ele é um camaleão. Está sempre lançando tendências. Eu acompanho. Os clientes pedem muito para ‘fazer igual ao dele’. Eu faria um degradê com uma listra diferenciada para ele”, fantasia.
Folha PE