Ricardo Lewandowski e Lula - Foto: AFP.
Ex-ministros da Justiça divulgaram uma carta favorável ao decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que estabelece regras mais rigorosas para uso de armas por policiais em abordagens. Editado na véspera do Natal, o decreto provocou reação contrária em governadores como Tarcísio de Freitas (São Paulo), Ratinho Júnior (Paraná), Romeu Zema (Minas Gerais) e Claudio Castro (Rio de Janeiro), que pedem revogação da medida e alegam interferência do Palácio do Planalto em atribuições dos estados.
Na carta, ex-ministros afirmam que o decreto representa um "avanço civilizatório sem precedentes para o Brasil" e que "reações exacerbadamente negativas ao texto podem ser fruto de um embate na arena política ou mesmo de desconhecimento do inteiro teor do decreto".
O texto também diz que o decreto editado pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, se alinha aos "padrões internacionais de direitos humanos e das melhores práticas globais" para garantir "eficácia, a legalidade e a legitimidade" das ações de segurança pública. Na visão dos ex-ministros, o decreto garante que as ações policiais "sejam proporcionais e adequadas à situação, com ênfase na proteção dos direitos civis."
A carta é assinada pelos ex-ministros Tarso Genro, Aloysio Nunes Ferreira, José Eduardo Cardoso, Luiz Paulo Barreto, Nelson Jobim, Miguel Reale Junior e Raul Jungmann. Nela, também defendem que a medida do governo Lula não se volta contra às ações policiais, mas a favor da proteção dos próprios profissionais de segurança pública por "incluir diretrizes específicas para a criação de programas de atenção à saúde mental para profissionais envolvidos em ocorrências de alto risco, além de medidas para a redução da letalidade policial, de maneira a evitar o envolvimento em novas tragédias".
Leia
a carta na íntegra:
“Nós,
ex-ministros da Justiça e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de
distintos governos, apresentamos manifestação favorável ao Decreto 12.341/2024,
o qual, sem limitar a necessária e adequada atuação policial, foi editado para
regulamentar uma lei publicada há uma década (Lei 13.060/2014), que disciplinou
o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança
pública, representa um avanço civilizatório sem precedentes no Brasil.
Por
certo, vivemos dias desafiadores no nosso País, que ensejam a atuação presente
e constante do Estado brasileiro em busca de um ambiente de melhora na
segurança pública. Inegavelmente, o tráfico de drogas, o crime organizado e a
violência urbana cotidiana impactam negativamente a vida de cada cidadão e do
Estado brasileiro.
Por
outro lado, enquanto avança no combate à criminalidade nas suas mais diversas
formas, o Estado não pode descuidar dos excepcionas desvios porventura
cometidos por agentes estatais. A violência desmedida não deve ser a solução ao
combate à violência, inclusive porque, como temos visto nos últimos tempos,
eventualmente, ela se volta contra brasileiros inocentes, que pagam com suas
vidas e com as suas saúdes físicas e mentais. Não temos dúvidas de que o
Decreto 12.341/2024, dentre as medidas adotadas por este e por outros governos,
representa uma evolução na relação entre a população em geral e as nossas
polícias.
Com
efeito, a violência policial - por envolver os relevantes temas da segurança
pública, dignidade da pessoa humana e direitos humanos - é um desses assuntos
delicados que exigem uma análise equilibrada de especialistas no assunto, da
classe política e da população em geral. No entanto, ainda que o debate raso a
respeito de uma suposta interferência de um ente sobre outro possa ressoar num
ambiente de antagonismo político, jamais poderia guiar a análise séria sobre o
tema.
Entendemos,
com o devido acatamento, que as reações exacerbadamente negativas ao texto
podem ser fruto de um embate na arena política ou mesmo de desconhecimento do
inteiro teor do decreto. Por essa razão, para além do discurso de caráter
meramente ideológico, é difícil não perceber que o decreto representa uma
evolução significativa na credibilidade das instituições, sobretudo as
policiais, sem a qual a confiança é corroída, em prejuízo à construção de uma
sociedade mais segura, justa e pacífica.
Que
reste claro para quem não leu o inteiro teor do decreto: não se está a defender
criminosos! O que se visou, claramente, foi defender um modelo de segurança
pública moderno, com o respeito à dignidade da pessoa humana e a promoção da
justiça social!
É
preciso que a sociedade brasileira avance para combater a violência nas suas
mais diversas e cruéis formas, de maneira que a segurança pública seja sinônimo
de proteção e respeito à vida e não de violência e opressão!
Nesse
sentido, não é demais assinalar que a violência policial não é apenas um
problema brasileiro. Outros países lidam com ele. Até mesmo por isso, as
diretrizes internacionais, que visam padronizar e orientar as ações dos agentes
de segurança pública, são elaboradas e frequentemente incorporadas na legislação
brasileira.
Bons
exemplos disso são a Convenção Contra a tortura e outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos e Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova Iorque, promulgada pelo Decreto 40
de 15/02/1991, assim como o Guidance on Less-Lethal Weapons in Law Enforcement
da ONU, que fornece diretrizes para o uso de armas menos letais por agentes de
aplicação da lei, assegurando a conformidade com os direitos humanos
internacionais.
Quer dizer, o Decreto 12.341/2024 também se fundamenta, dentre outros, nos instrumentos internacionais mencionados acima, que escancaram a necessidade de uma constante revisão para assegurar o alinhamento com os padrões internacionais de direitos humanos e das melhores práticas globais, de modo a garantir a eficácia, a legalidade e a legitimidade das ações concernentes à segurança pública.
Sem
medo de errarmos, o que se buscou com o recente decreto foi fortalecer a
transparência, com a previsão de diretrizes para a criação de mecanismos de
monitoramento e transparência nas ações policiais, promovendo a divulgação de
dados sobre operações e intervenções, bem como a implementação de programas de
capacitação voltados para a formação de policiais, focando em direitos humanos
e mediação de conflitos.
Ademais,
é de se louvar o estabelecimento claro de protocolos sobre o uso da força,
buscando garantir que as intervenções policiais sejam proporcionais e adequadas
à situação, com ênfase na proteção dos direitos civis.
Como se vê, não é um decreto que se volte contra as legítimas ações policiais. Pelo contrário, visa a promoção de uma segurança pública mais cidadã e respeitosa, em benefício, ao fim e ao cabo, de toda a população brasileira, bem como a vida dos nossos policiais de todas as hierarquias e das suas famílias.
Nessa senda, entendemos que o novo decreto também avança em termos de segurança e proteção dos próprios policiais, ao incluir diretrizes específicas para a criação de programas de atenção à saúde mental para profissionais envolvidos em ocorrências de alto risco, além de medidas para a redução da letalidade policial, de maneira a evitar o envolvimento em novas tragédias.
É preciso que, no oceano de problemas que vivemos, consigamos evitar que brasileiros inocentes sejam vitimados sob a justificativa de combate ao crime. Não podemos mais tolerar a máxima do primeiro atirar para depois perguntar! Inocentes estão sendo vitimados! Tarso Genro, Aloysio Nunes Ferreira, José Eduardo Cardoso, Luiz Paulo Barreto, Nelson Jobim, Miguel Reale Jr., Raul Jungmann.”
FONTE: FOLHA PE.