Publicada em 25/03/2025 às 10h35.
Cinco anos de Covid-19: como a pior pandemia do século deixou marcas em Pernambuco
Primeira morte pela doença causada pelo coronavírus Sars-CoV-2 foi oficialmente notificada em Pernambuco há exatos cinco anos, em 25 de março de 2020.

Cemitério de Santo Amaro , no Recife / Foto: Divulgação. 


 Há cinco anos, em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que a Covid-19 havia alcançado o status de pandemia. O mundo então se deparou com grandes desafios sanitários, sociais e econômicos. E mais: a humanidade se viu refém de um vírus cujos primeiros registros remontam ao final de 2019, tendo sido identificado inicialmente em Wuhan, na China.


Medidas como uso de máscaras, isolamento, distanciamento social e maior atenção à higienização das mãos passaram a ser frequentes.


A Pernambuco, a doença chegou oficialmente em 12 de março de 2020, quando os primeiros dois casos da doença foram confirmados. Treze dias depois, em 25 de março, era notificada a primeira morte.


Em 7 de maio daquele ano, já eram 10 mil casos e 42 mortes. Em janeiro de 2021, apenas dez meses após o primeiro registro, o balanço das autoridades sanitárias ultrapassava a marca de 240 mil casos e 10 mil mortes.


Desde o início da pandemia, Pernambuco acumula mais de 23,4 mil mortes e 1,2 milhão de casos de Covid-19 [confira mais números da pandemia do novo coronavírus em Pernambuco no final do texto].


Pandemia é a disseminação global de uma doença infecciosa que afeta um grande número de pessoas em diferentes países e continentes ao mesmo tempo. Ocorre quando um novo agente patogênico (como um vírus ou uma bactéria) se espalha rapidamente devido à falta de imunidade da população. 

A OMS classifica uma doença como pandemia quando sua transmissão atinge níveis internacionais de forma sustentada. Exemplos incluem a gripe espanhola (1918-1919), a gripe suína (H1N1, 2009) e a Covid-19 (2020).

 

Em 2025, as marcas da pandemia ainda estão por toda parte: nas famílias que perderam entes queridos, nas estatísticas, nos profissionais de saúde que carregam lembranças da linha de frente e nos impactos que mudaram a rotina dos pernambucanos.


Quais feridas ainda não cicatrizaram? O que aprendemos com essa crise? Estamos preparados para lidar com futuras emergências sanitárias?


A Folha de Pernambuco ouviu especialistas e sobreviventes para entender o legado e as marcas da pandemia de Covid-19 no Estado. 



Imagem meramente ilustrativa / Foto: Divulgação.      



"Todos sofreram de alguma forma"


O médico infectologista e sanitarista Bruno Ishigami relembra como o Carnaval de 2020, que ocorreu poucos dias antes da confirmação dos primeiros casos no Brasil, ilustrava, naquele momento, o cenário de incerteza que marcou o início da pandemia.


"Apesar de tão perto, era uma coisa distante. E a impressão que eu tenho é que se a Covid tivesse circulando aqui já no Carnaval, teria sido mais rápido o começo. Se tivesse Covid circulando aqui na época do Carnaval, não estava tão forte ainda. Até porque o primeiro caso foi de um pessoal que veio da Itália", ressalta o médico, lembrando, ainda, que havia uma aflição em torno das rotineiras aglomerações da época festiva.


Entre as marcas deixadas pela pandemia de Covid-19, o infectologista cita perdas, isolamento social e avanço da atenção acerca de questões psicológicas.


"Acho que todos que passaram pela pandemia da forma que foi sofreram de alguma forma. Seja pela perda de parente, perda de alguém muito próximo. O isolamento social é uma coisa que pega muito, principalmente para as crianças.


Tem quadros depressivos, quadros ansiosos e entre os profissionais de saúde não poderia ser diferente", comentou Bruno Ishigami.


O sanitarista defende que, enquanto sociedade, ainda não conseguimos superar o luto da Covid-19.


"A gente não conseguiu processar o nosso luto da pandemia ainda. A vida vai acontecendo, você vai se ocupando de outras coisas, a vida atropela nesse sentido. Pouco depois da pandemia, teve um processo eleitoral também, que foi bem intenso. Estamos vivendo um aumento dos discursos mais extremistas, discursos de guerra. A impressão que dá é que, no cenário geral, a pandemia é mais um sinal de tudo isso que a gente vem observando", destacou o médico. 


Bruno Ishigami considera que os caminhos para enfrentar eventuais futuras crises sanitárias similares (ou piores) do que a Covid-19 estão traçados. 


"O que eu acho é que a gente deveria ter aprendido e não aprendeu para futuras pandemias é investir mais em atenção primária, prevenção, vigilância, porque o nosso sistema de saúde, de uma forma geral, é muito voltado para o hospital.


Isso é um problema, porque o hospital é muito caro, é caro um leito. O investimento que você tem num posto de saúde, num serviço de vigilância para monitorar todos os vírus que estão circulando aqui é muito mais barato proporcionalmente, porque se eu consigo flagrar o quanto antes um 'bicho' circulando, eu consigo emitir um alerta", completou o infectologista.
 

"Não dá para não sermos guiados pela ciência"


Médico infectologista do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc) e do Real Hospital Português (RHP), Demetrius Montenegro relembra os desafios enfrentados desde os primeiros casos da Covid-19 no Brasil. Para ele, é fundamental seguir a ciência em momentos de incerteza. 

 

"Diante de uma situação de desconhecimento, só tem um caminho a seguir. E quem vai traçar esse caminho é a ciência. Então não dá para a gente não ser guiado pela ciência para tomar as decisões. Essa é, para mim, a maior lição", pontuou Demetrius.


Para o médico, o que causou muita preocupação no início da pandemia não foi apenas a gravidade da doença, mas também as incertezas e a angústia causada pela onda de fake news e de negação. 


"E aí vem a questão mais difícil da utilização de medicações, que, inicialmente, realmente foram utilizadas para tentar ver se tinha algum tipo de atividade, como foi o caso da cloroquina, da azitromicina e da ivermectina, mas quando as pesquisas mostraram que não tinha nenhum resultado, obviamente a gente deixou de indicar, mas isso foi, talvez, um momento bem difícil", acrescentou o infectologista. 


Outro momento difícil, lembra Demetrius, foi quando a vacina finalmente chegou, e os negacionistas seguiram com discuros anticientíficos. "Vem uma outra dificuldade de tentar convencer que não era bem assim. Então isso, para mim, foi a situação mais complicada: foi o convencimento aos negacionistas ou tentar esse embate com os negacionistas em relação ao que a ciência mostrava", completou.


Para o médico, na realidade de cinco anos depois do surgimento da doença, a sociedade tem que aprender a conviver com o vírus, que segue em mutação e apresentando novas variantes. É importante ainda, defende Demetrius, seguir com a vacinação, principalmente dos grupos considerados como mais vulneráveis, como idosos, imunocomprometidos e portadores de comorbidades. 


"A gente hoje está convivendo com o vírus, esse vírus não vai ser eliminado. As pessoas precisam manter sempre o cartão de vacina atualizado. Infelizmente, hoje ainda tem pessoas morrendo de Covid. Apesar de que parece que, para a população, o Covid foi embora, mas não foi. As pessoas continuam morrendo, obviamente que nada se compara àquele período de cinco anos atrás. Mas quem é que está morrendo? Justamente quem tem chance de complicação, as pessoas mais idosas, quem tem alguma doença que diminui a imunidade e que não estão vacinados", alertou Demetrius Montenegro.


Uma cicatriz deixada pela pandemia, reforça o médico, é a da ilusão em torno da sociedade se transformar para melhor diante e após o período de dificuldade causada pela doença.


"É engraçado que, naquele momento, quando a gente passava por todo aquele drama, a esperança era que a humanidade iria melhorar, por conta de tudo o que se passou. Mas foi uma uma doce ilusão momentânea e hoje a gente vê que o mundo todo não melhorou em nada. E assim, parece que o mundo esqueceu do que passou e as intolerâncias até aumentaram, não só no Brasil.


Então não era só uma questão política, mas eu acho que é uma questão de comportamento mesmo, de algumas pessoas, veja que o mundo todo está extremamente intolerante e está caminhando para uma situação que é bem preocupante", lamentou o médico.


"Dormir de máscara dava a sensação de não respirar direito"


A médica infectologista Eduarda Barata estava no último ano da residência no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc) quando a pandemia começou. Ela conta que a Covid-19 afetou diretamente o rumo da sua especialização, bem como do trabalho e da vida pessoal.


"Como o Huoc era referência, os primeiros casos foram chegando lá, as enfermarias foram sendo esvaziadas para receber os casos de Covid. Vimos o hospital praticamente inteiro virar enfermaria e UTI para Covid. Acredito que não tenha como ser mais linha de frente que isso", lembra a profissional, que também trabalhava na UTI de outros hospitais na época, inclusive unidades de campanha montadas para atender a alta demanda da época.


"Além de estar cansada pela quantidade de vínculos que já tinha, não consegui continuar naquele ambiente, que era praticamente guerra. Nunca vou esquecer de quando entrei no hospital de campanha da Aurora e vi aquele galpão imenso que foi feito para comportar 100 leitos, 100 macas, foi absurdamente traumático.


Em 2021, eu tive a oportunidade de ir para São Paulo a pedido de um antigo chefe, e passei nove meses como diarista da enfermaria de Covid no Hospital São Paulo. Precisei voltar para o Recife no início de 2022, pois minha avó faleceu e voltei a trabalhar no Hospital Correia Picanço, ainda havia a UTI Covid de lá, que funcionava como uma UTI de campanha, e foi fechada quando a ocupação das UTIs de campanha abaixou e não foram mais necessárias aquelas vagas", lembra Eduarda. 


A partir de uma perspectiva dos dias atuais, cinco anos após o início da pandemia, a infectologista acredita que todos os profissionais de saúde tiveram traumas desse período, seja exaustão dos muitos plantões ou a sensação de impotência diante de quadros que não conseguiam ajudar.


"O desespero de não conseguir dar mais, um plantão a mais, atender um paciente a mais, de conseguir um pouco mais de tempo para as pessoas que chegavam ofegantes sem saber se veriam seus entes queridos de novo. Depois de viver algo assim, é difícil de conseguir separar o que foi profissional e o que foi pessoal. Face shield e óculos de proteção ainda me dão um pouco de enjoo, dormir de máscara dava a sensação de não respirar direito. Então, apesar dos traumas depois disso, eu aproveito mais o fato de não precisar dormir mais de máscara ou andar por aí de face shield", acrescenta a médica.


Já sobre o que a pandemia ensinou para a sociedade, Eduarda Barata não se mostra muito esperançosa. Ela compara a atenção dada aos profissionais de saúde durante os primeiros anos de Covid com o agora. 


"Sinceramente, acho que não ensinou nada! Enquanto de 2020 a 2022 os profissionais de saúde eram homenageados, aplaudidos e recebiam agradecimentos e saudações de solidariedade, hoje vemos que ou ninguém lembra mais disso ou ninguém liga mais pra isso. Quantos e quantos profissionais de saúde não foram agredidos nos últimos seis meses? E não digo médicos não, todos os profissionais de saúde. Quantos não foram ameaçados em emergências, intimidados e até agredidos fisicamente? A onda de solidariedade que parecia um resquício de humanidade que estava se reacendendo na sociedade enquanto estávamos enclausurados se mostrou na verdade uma pequena marola", lamentou. 


"Espero que o que quer que esteja alimentando esse movimento de desdém em relação aos profissionais de saúde não dure, espero que ainda esteja no fundo da mente das pessoas aquele sentimento de gratidão, a empatia pelos seres humanos que estão ao nosso redor, e a compreensão que assim como qualquer profissional, o profissional de saúde vai trabalhar para dar o seu melhor da melhor maneira. Espero pelo menos que tenha ensinado as pessoas a lavar bem as mãos, enquanto médica de controle de infecção esse é um ensinamento fundamental", finalizou Eduarda Barata.


"Nós estávamos querendo salvar vidas"


Em suas redes sociais, ao lembrar os cinco anos da pandemia de Covid-19, a médica infectologista Sylvia Lemos Hinrichsen, professora titular de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e conselheira em biossegurança e controle de risco sanitário hospitalar, resumiu em uma frase o sentimento enquanto profissional de saúde: "Confesso que vivi, sobrevivi, ressignifiquei a vida".


Em face ao desconhecido, a profissional, com mais de quatro décadas de carreira, disse que até então achava ser invencível, mas passou a se sentir inútil. Por isso, precisou se reinventar.


"Eu sempre fui uma pessoa de hospital. Eu passava o dia no hospital, ensinando, vendo doente. Eu era uma pessoa assim muito 'nada me vence', nunca tive medo de doença. Eu comecei já em dezembro, novembro, a ouvir falar que tinha Covid na China. E como eu sou uma pessoa muito estratégica, trabalho com prevenção, eu penso muito no que ninguém vê. Então, eu comecei a me preocupar: 'Como é que nós vamos enfrentar caso isso chegue?' Na ocasião, ninguém dizia que ia chegar", lembrou Sylvia sobre os últimos momentos antes da Covid-19 se transformar em uma pandemia.


Então, Sylvia começou a participar de reuniões e organizar o hospital onde trabalhar para lidar com doenças contagiosas, como a Covid-19. "O hospital estava com um serviço 'top', todo dentro das normas da Anvisa equipes treinadas e tudo mais", completou a médica.


"Eu já passei por isso em outra situação onde tudo deu certo, as pessoas motivadas, todo mundo satisfeito porque ia salvar as pessoas e tudo mais. E aí eu tive meu primeiro baque. Porque meu marido tinha mais de 60, eu na ocasião estava fazendo 60, eu tinha uma mãe com quase 80, um filho e as notícias da confirmação do contágio eram enormes. E a gente começou a ter medo, não medo, eu não tinha medo em mim. Nós estávamos querendo salvar vidas, começamos a ser altruístas. A gente achava que nunca ia acontecer com a gente. E eu saí de casa, eu deixei a minha casa, meu marido, filho, mãe e fui morar com uma cunhada, que também teve a mesma sensação que eu: não podemos transmitir doença para os nossos familiares, mas, por outro lado, a gente não pode estar fora do front", acrescentou Sylvia Lemos.


Nesse período inicial da pandemia, a infectologista passou 45 dias fora de casa, junto com a cunhada. Em seguida, começou a enfrentar perdas de pessoas próximas e teve que fechar seu consultório no Recife. 


"Uma amiga me liga, diz que o marido estava com Covid, foi um dos primeiros a ter Covid, e que tinha morrido e que ela tinha recebido o marido num saco. Eu nessa ocasião, as pessoas com mais de 60 anos não podiam estar trabalhando no front, e aí eu comecei a dizer 'poxa, como é que eu vou ser médica, ajudar as pessoas sem vir ao hospital?'. Nessa ocasião, meus familiares começaram a ter medo de que eu adoecesse", complementou a médica, dizendo também que deixou os profissionais do hospital treinados para enfrentar os desafios da pandemia.


Cerca de seis meses depois do começo da pandemia, Sylvia Lemos disse ter recebido ligações de convênios de plano de saúde para atender teleconsultas e dar aulas.


"Eu comecei a perguntar 'quem vai ser você? Como é que você vai ser agora professora? Como é que você agora vai ser médica?' E fiquei assim do fim de abril até o princípio de setembro, quando eu recebo telefonema, e um convênio perguntou se eu não topava atender pacientes por teleconsulta. Eu atendi mais de 3,5 mil pessoas ao longo de toda a pandemia. E criei até uma metodologia do exame físico que está sendo publicado agora, já foi apresentado em congresso, as diretrizes de exame remoto", recordou a infectologista, que também começou a ministrar aulas remotas.


Por fim, a médica relembra de como seu modo de enxergar a vida mudou após passar pela pandemia, dizendo que se polícia constantemente para ser mais grata. 


"Agradecer todo dia por estar viva, por poder andar, poder respirar, ir para a academia a pé. No profissional, é que o nosso paciente tem que ser o nosso propósito. É bom ter grana, dinheiro. O tema básico de quem é médico é servir ao outro, é ser altruísta, é dar a sua vida para o outro. Foi assim que a gente foi treinada, foi assim que a gente conseguiu se formar. Ser profissional com empatia, se colocar no lugar do outro, fazer para o outro aquilo que você gostaria que fosse feito para você e para seus familiares", finalizou Sylvia Lemos Hinrichsen. 

 

"Era o medo de se contaminar e morrer também"


A enfermeira Ana Caroline Soares ficou na linha de frente durante a pandemia de Covid-19. Ela trabalhava, nesse período, no Hospital Aristeu Chaves em Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife (RMR), e em unidades de atendimento de Covid-19 da prefeitura da Capital pernambucana. 

 

"A gente não tinha muito certeza do que era [a pandemia], ninguém tinha. Não tinha equipamento de proteção individual, não tinha noção da dimensão de como cuidar. Poucas semanas depois, o hospital virou só atendimento Covid.

 

Tínhamos dois respiradores só, a gente escolhia o paciente mais grave para colocar. Tinha uma defasagem muito grande, os nossos colegas adoecendo. A gente se desdobrava muito", disse a profissional, lembrando que a situação era desesperadora.

 

Em casa, Ana Caroline precisou dormir em quarto separado e não podia ver pais e sogros, por conta do risco de contaminação. Nesse período inicial, acrescenta ela, o mais difícil foi lidar com a falta de insumos.

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