Sem alarde, o empresário Paulo César Morato, que apareceu envenenado e morto em um motel em Olinda, um dia depois de ter sido apontado pela Polícia Federal como testa de ferro de um esquema milionário de desvio de recursos das obras da transposição do São Francisco e refinaria da Petrobras, foi ouvido ao menos duas vezes, na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, antes de morrer.
Os detalhes dos dois depoimentos constam das provas compartilhadas com os investigadores locais pelo ministro Teori Zavascki, relator da operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.
O primeiro depoimento foi realizado em maio de 2015, ao delegado da PF Milton Fornazari Júnior. Cinco dias depois, Paulo César Morato foi reinquirido, para um segundo depoimento, também em Brasília.
O empresário abriu os trabalhos revelando que já respondia a um homicídio culposo na cidade de Lagoa de Itaenga, na Mata Norte. Não há maiores informações sobre o crime nem a PF avançou nesta linha, ao que se sabe.
Depois de informar que era o único dono e sócio da empresa Câmara e Vasconcelos, Paulo Cesar Morato informou que já teve o nome associado às empresas Santa Maria ME e Lagoa Cerâmica LTDA. A primeira funcionava em Jaboatão e foi vendida há dois anos. A Lagoa funcionava na Rua Sucurpira, em Piedade.
Imagem mostra endereço de Morato em Pau Amarelo (Foto: Google Street View)
Neste momento, Paulo César Morato, possivelmente sem saber que a PF já havia esquadrinhado suas empresas, a pedido do STF, negou ter sido sócio ou procurador de nenhuma outra empresa além destas. De acordo com informações das investigações, ele operava ao menos três empresas fantasmas, usadas pelo esquema.
Origens em Nazaré da Mata
Paulo Morato disse que a empresa existia desde 2009 e o primeiro endereço da empresa foi em Nazaré da Mata, até ao menos junho de 2014. Ele também informou que a empresa funcionava em uma sala de 10 metros quadrados e contava com apenas uma secretaria, sublocando máquinas de terceiros. Morato não se recordava do endereço nem o nome do centro comercial em que a empresa funcionava, antes de se transferir para o bairro de Boa Viagem.
Orla de Piedade e obras em Maraial, na Mata Sul
No mesmo depoimento, Paulo Morato revelou que a Câmara e Vasconcelos prestou serviços na construção da Orla de Piedade, contratada por uma empresa chamada OAD (sIc). A OAS Engenharia foi a responsável por fazer as obras de contenção do avanço do mar em Jaboatão, com orçamento de R$ 40 milhões, contrata pela Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, com recursos federais.
Também teria prestado serviços na construção de 500 casas em Maraial, na Mata Sul do Estado. Neste caso, a Câmara e Vasconcelos foi contratada pela empresa Bezerra e Leite. Essa firma pertenceria a Edson Leite, irmão do empresário Eduardo Freire Bezerra Leite, também apontado pela Polícia Federal como um dos cabeças do esquema de desvios da Operação Turbulência.
Ele citou ainda obras de terraplenagem na cidade de Caaporã, erroneamente citada como uma cidade em Pernambuco e que, na verdade, fica na Paraíba. Nesta cidade, a Câmara e Vasconcelos teria sido contratada pela Votorantim.
Pedido de empréstimo a Eduardo Freire Bezerra Leite
No depoimento à Polícia Federal, Paulo César Morato disse que, em 2010, solicitou um empréstimo de R$ 300 mil a Eduardo Freire Bezerra Leite, para começar as obras em Piedade, Maraial e Caaporã.
“Ele era rico no Recife, por isto o procurei. Eduardo disse que podia emprestar apenas R$ 200 mil, desde que eu me comprometesse a alugar máquinas e caminhões da Camboa Cerâmica, de Eduardo”.
Só que, curiosamente, o empréstimo assim ajustado não foi formalizado em contrato de mútuo, conforme informou à PF no depoimento.

Paulo César Morato foi encontrado morto um dia após deflagração da Operação Turbulência (Foto: PF/Cortesia)
Paulo Morato disse ainda que recebeu os R$ 200 mil em duas parcelas, cada um no valor de R$ 100 mil. A primeira parcela foi paga em dezembro de 2010 e a segunda parcela em janeiro de 2011. As datas são importantes porque coincidem com movimentações financeiras suspeitas que já haviam sido detectadas pela Polícia Federal, na Operação Lava Jato.
Paulo Morato reconheceu transferências de Alberto Youssef para Câmara e Vasconcelos
Indagado se reconhecia as TEDs (transferências eletrônicas) efetuadas pelas empresas M. o. Consultoria e empreiteira Rigidez (contropladas pelo doleiro Alberto Youssef e usadas para pagar propinas pela UTC, de Ricardo Pessoa) em favor da conta da Câmara e Vasconcelos, como sendo valores disponibilizados por Eduardo Freire Bezerra Leite, a título de empréstimo, Paulo César Morato disse sim aos investigadores federais.
Ainda de acordo com o depoimento na PF, após ter visto o nome de sua empresa na imprensa, relacionado a estes depósitos, Paulo César Morato questionou Eduardo Freire Bezerra Leite sobre a origem dos valores. Eduardo Freire Bezerra Leite teria dito que havia emprestado R$ 200 mil a Arthur Lita e que o deputado federal do PP de Alagoas havia depositado o dinheiro na conta de Paulo César Morato. Ainda de acordo com o que informou no depoimento Paulo Morato, Eduardo Bezerra Leite prometeu a ele que resolveria o problema.
Na sua fala na PF, em maio do ano passado, Paulo Morato disse que pagou a dívida com Eduardo Freire Bezerra Leite entre março de 2011 até o final do segundo semestre de 2012, mensalmente, por meio de TEDs. A conta de destino dos pagamentos da dívida era a conta da empresa Camboa Cerâmica, de propriedade de Eduardo. Ele disse que pagava, junto com as parcelas da dívida, os valores devidos a título de aluguel de maquinários e caminhões.
Paulo Morato disse ter alugado entre 20 máquinas e 40 caminhões, nesta época. Mais uma vez, curiosamente, disse não ter certeza se tinha os contratos de alugueis formalizados. De acordo com suas contas, nesta época, a Câmara e Vasconcelos movimentava um faturamento de R$ 1,5 milhão por mês.
Usado?
Paulo Morato informou a PF que pagou ao todo para Eduardo Freire a quantia aproximada de R$ 480 mil, que incluiu os valores devidos a título de aluguel. “A remuneração de Eduardo Freire pelo empréstimo foi justamente a vantagem econômica recebida pela exclusividade de locação de máquinas a que se comprometeu”, registrou a PF, no mesmo depoimento.
“Por tudo que (Paulo Morato) pode compreender, Eduardo Freire, ao invés de receber em sua conta o pagamento da dívida que Arthur Lira tinha com ele, optou por solicitar a Arthur Lira que depositasse na conta da Câmara e Vasconcelos o valor devido ao deputado, fazendo que este mesmo valor fosse objeto de empréstimo tomado por Paulo Morato junto a Eduardo Freire”, observa a PF, no depoimento de maio de 2015.
Relações com políticos e doleiros nacionais
Paulo Morato também disse à Polícia Federal que não conhecia o deputado federal Arthur Lira nem o senador Benedito de Lira, ambos do PP de Alagoas, nem o doleiro Alberto Youssef. Também garantiu não ter negócios nem conhecer a M. O. Consultoria e a Empreiteira Rigidez. ambas empresas de fachadas usadas no esquema nacional pelo doleiro do Paraná.
Também negou saber a motivação da dívida de Arthur Lira com o empresário local Eduardo Freire Bezerra Leite.
No mesmo depoimento, Paulo César disse que já havia feito outros negócios com Eduardo Freire, mas eles não foram declinados no depoimento.

Corpo de Morato foi encontrado em motel em Olinda, na Região Metropolitana (Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem)
Depois do primeiro depoimento, no dia 20 de maio, Paulo César Morato foi chamado uma segunda vez na PF de Brasília, no dia 25 de maio de 2015. Nesta segunda oportunidade, a PF perguntou ao empresário local sobre possíveis doações eleitorais recebidas por Arthur Lira, em 2010, mas ele disse que desconhecia. A PF já havia mapeado todos os valores. Paulo César Morato também disse que não fez doação pessoal para Arthur lira ou Benedito de Lira.
João Carlos Lyra e o avião de Eduardo Campos
Como naquela data (maio de 2105) já eram transcorridos oito meses da queda do avião de Eduardo Campos, no litoral de São Paulo, a Polícia Federal de Brasília também questionou o dono da Câmara e Vasconcelos sobre o tema, uma vez que, logo após a queda do avião, o nome dela havia sido relacionado à compra da aeronave, ao lado dos empresários João Carlos Lyra Pessoa de Melo Filho, Eduardo Freire Bezerra Leite e Apolo Santana Vieira.
Paulo César Morato disse conhecer João Carlos Lyra e que o empresário havia sido apresentado por Eduardo Freire como amigo pessoal dele. Também disse acreditar que Eduardo Freire fazia negócios com João Carlos Lyra. Ele informou ainda que João Carlos Lyra tinha uma factoring (JCL Fomento) e trocava muitos cheques com ele, mas não conhecia outra atividade deste.
Na mesma oportunidade, naquele maio de 2015, Paulo César Morato disse à PF que, em meados de 2014, João Carlos Lyra solicitou cerca de R$ 200 mil emprestados, mas que ele somente havia emprestado a ele R$ 159 mil, por meio de um depósito em favor da empresa A. F. Andrade, a pedido do próprio João Carlos Lyra.
João Carlos Lyra, de acordo com sua fala então, disse lhe que o dinheiro era para montar uma empresa de táxi aéreo no Recife. O empresário teria pago os valores por meio de um depósito, em favor da Câmara e Vasconcelos.
De acordo com a versão apresentada por Paulo César Morato, somente depois veio a saber que, com aqueles valores, João Carlos Lyra estava adquirindo o avião que veio a cair em Santos, em são Paulo, matando Eduardo Campos.
Sócio Laranja mentindo
No mesmo dia em que prestava depoimento em Brasília, a Polícia Federal em Pernambuco ouviu na capital pernambucana em depoimento dois irmãos, um mecânico do Recife e um técnico financeiro, de Camaragibe, que já haviam sido identificados como sócios da Câmara e Vasconcelos. Os nomes dos pernambucanos eram Ernani Dias de Morais Filho e Hélio Dias de Morais.
No Recife, o auxiliar financeiro Ernani Dias Morais Filho, de Camaragibe, confirmou que havia sido sócio da empresa, mas apenas entre setembro de 2009 a agosto de 2012, a pedido do irmão, Hélio Dias de Morais. Ernani disse a PF que o real dono da empresa era Paulo e que ele não sabia sequer o sobrenome dele (Morato).
Hélio Dias de Morais, mecânico, com apenas o primeiro grau incompleto, dono de uma oficina na Madalena, no Recife, confirmou ter sido sócio da empresa investigada pela PF, mas disse que o verdadeiro dono era Paulo Cesar, de quem afirmou não saber nem o sobrenome. Os dois se conheceram porque Paulo Cesar era cliente da oficina.
Em Brasília, Paulo César Morato disse que chamou Ernani Dias Morais para a empresa porque estava com problemas no Serasa, embora depois de sanar passou a manter a sociedade em conjunto. Sobre Hélio Dias de Morais, Morato disse que era amigo dela há 20 anos!
Empresas fantasmas
No mesmo depoimento de maio de 2015, Paulo César Morato admitiu apenas ter relação comercial com a empresa Vasconcelos e Câmara e que tinha alugado dela máquinas de terraplenagem. No mês passado, quando deflagrou a operação, a PF listou que o grupo usava mais de 18 empresas no esquema, incluindo a Vasconcelos e Câmara.
Paulo César Morato também disse desconhecer a empresa A.M. de Pontes Pneus nem Antônio Martins Pontes. Nas investigações, a PF descobriu que eram empresas fantasmas usadas para a transferência de valores.
PC Morato também disse que não conhecia a pessoa de Kleyton Albert da Silva. Na operação do mês passado, a PF revelou que ele era um dos sacadores do esquema, ao lado de um primo, também sacador do esquema, de nome Artur Roberto Lapa Rosal, de Vitória de Santo Antão.
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