Publicada em 19/02/2016 às 10h25.
Construção da barragem de Serro Azul deixará uma memória submersa
Engenho Verde, que abrigou líderes da Revolução Praieira, em 1840, ficará encoberto

 

Parte da história de Pernambuco está desaparecendo em Palmares, na Zona da Mata Sul. As memórias da Revolução Praieira de 1840, marcada de lutas por liberdade e concessão de direitos, agora se limitam as ruínas encontradas no Engenho Verde. A principal ameaça, no entanto, vem pelas águas. A construção da barragem de Serro Azul, no distrito que leva o mesmo nome, sinaliza a inundação de uma área que supera 800 hectares. A velha casa-grande que abrigou lideranças no passado deve sucumbir pela força imediata da represa. Junto a ela, centenas de moradores e comerciantes vêm sendo obrigados a deixar para trás os laços de toda uma vida. Muitos já partiram. E aos que restam sobram lágrimas e incertezas.


 

O pesquisador Reinaldo Carneiro Leão, do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), concentrou estudos sobre o antigo bangalô. “A sua arquitetura é constituída por elementos neoclássicos únicos. Os arcos na fachada, piso ladrilhado e os extensos terraços laterais sempre foram motivo de admiração”, explicou. Segundo ele, o projeto do século 19 foi assinado pelo engenheiro Tibúrcio Magalhães, o mesmo responsável pelo Teatro de Santa Isabel, no Recife.


Anos depois, a propriedade chegava às mãos do industrial Miguel Dias. “O imóvel já vinha sendo descaracterizado ao longo do tempo. Áreas como as escadarias, a cozinha e o porão passaram por reformas. Tudo parecia contribuir para a sua permanência, o que não se concretizou. Assistimos a uma penosa anulação das nossas raízes”, lamentou.


Triste cenário


A casa-grande agora se resume a um amontoado de pedras, tomada pelo mato. As paredes, com muretas em branco e verde musgo, ainda resistem bravamente. Contudo, o cenário é de destruição. Na majestosa sala de estar, que abrigou mobílias em madeira de lei, tudo deu lugar a pedaços de telhas e muito ferro retorcido. O telhado, em formato de quatro águas, desapareceu. O mesmo é encontrado em quartos e corredores, que já não detêm portas ou janelas. Ao redor, a vizinhança deu lugar a um extremo vazio. E apenas a bica no quintal parece amenizar o clima triste da terra seca. “A água deve chegar até a cumeeira da casa em uma enchente de capacidade máxima. A nossa proposta era de que a habitação pudesse ser reconstituída em um novo local, preservando sua identidade para as gerações futuras”, revelou Leão.

 

O agricultor Manoel José, 65, teve a produção de frutas e verduras prejudicada por causa da destruição dos acessos à plantação. O barbeiro Adriano Mota, 36, e a comerciante Maura Silva, 48, também amargam prejuízos

 

 

Solução para conter enchentes


Anunciada, ainda em 2011, a barragem de Serro Azul surgiu como solução para combater as enxurradas na região, bastante vitimada um ano antes. As obras, que deveriam durar apenas 18 meses, seguem em atraso, com investimentos na ordem de R$ 500 milhões. Segundo o Estado, 85% já estariam concluídos. O equipamento terá capacidade para armazenar 303 milhões de metros cúbicos de água, com um paredão de 65 metros de altura e a expectativa de beneficiar diretamente 150 mil pessoas.


O Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep) chegou a executar um mapeamento no Engenho Verde, com o uso de um scanner a laser. “A ideia era de construir uma maquete tridimensional, analisando as plantas e preservando o espaço antes que a água fizesse tudo desaparecer. Também daríamos andamento a escavações para verificar elementos ocultados no passado”, explicou a arqueóloga Glena Salgado, que admite o projeto está parado.


A Secretaria de Desenvolvimento Econômico informou que durante o projeto se buscou ao máximo reduzir o espelho d’água, as desapropriações, assim como demais impactos na região. Questionada, a pasta não informou o quantitativo de famílias a serem retiradas do local, assim como o raio exato de extensão atingido e o quantitativo de habitações destinadas a acolhê-las.


O posicionamento é de que o antigo casarão do Engenho Verde está muito próximo ao rio e não haveria como mantê-lo. Ainda segundo a Sdec, somente a cheia de 2010 causou prejuízos da ordem de R$ 3 bilhões. Já a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (sobre tombamentos e projetos de recuperação / destino do casarão) Faltam mais respostas.


Medo e incertezas


Nos olhos de seu Antônio Messias, 60 anos, a revolta de quem teve a vida alterada com o início dos trabalhos no reservatório. “Nossas casas foram marcadas, mas nenhum prazo foi definido de quando teríamos que sair. A maioria dos vizinhos, com medo, preferiu ir embora”, revelou, assinalando a aparência de uma vila vazia. Ele conta que a frequência de detonações de explosivos nas rochas criaram rachaduras e deixaram rastros de prejuízos em eletrônicos e veículos. “Era como se estivéssemos sendo expulsos a cada dia”, disparou.


A comerciante Maura Silva, 48, mantém a única mercearia que sobrou no lugarejo. “Os clientes desapareceram e as vendas caíram mais da metade. Até mesmo para repor as mercadorias enfrentamos dificuldades. Com as ruas desertas, a criminalidade só veio a amentar. Tudo aqui é muito triste”, contou, sem esconder as lágrimas.


O ambiente, formado por braços do rio Una, conta com pequenos córregos e formações de cachoeiras. A beleza acaba ofuscada pelo ritmo frenético de caminhões, tratores e um imenso time de operários. Junto às estradas de terra batida e muita poeira, parece se esvair também os sonhos da população. É o caso do agricultor Manoel José, 65, que teve o cultivo bastante prejudicado. “Os acessos foram destruídos e ficamos um bom tempo sem contato com fornecedores. A produção de frutas e verduras, assim como a de cana de açúcar ficou parada. Até hoje vivemos em meio ao prejuízo”, admitiu o idoso, que diz não saber até quando poderá se manter em Serro Azul.


Parte das comunidades, desprovidas de iluminação e saneamento básico, amarga também carências em serviços como saúde, educação e abastecimento. São os chamados arruados, que lutam para se manter de pé. Por lá, a lavagem de roupa é feita no riacho, em meio à brincadeira das crianças. Os cavalos carregam o peso de um dia inteiro de roçado e o pão é oferecido em carros de mão à porta de casa. O clima bucólico também é encontrado na barbearia da família Mota. O negócio passou por gerações e hoje é administrado pelo neto, Adriano, de 36 anos. “Estamos bem do lado da barragem e sentimos que se algo der errado tudo poderá cair sobre nossas cabeças”, revela com simplicidade. Ele afirma que os moradores haviam recebido uma promessa de construção de uma nova vila afastada do equipamento, com pelo menos 70 casas. “Nada foi cumprido”, disparou.


Memórias do passado


As lembranças da velha casa do engenho, com as receitas saborosas preparadas no fogão a lenha, ainda alimentam o imaginário do servidor público Leopoldo Raposo, 67 anos. Ele é trineto do antigo proprietário e, durante a infância, ouvia os bons relatos pela boca da saudosa avó. “Ela se casou na própria capela do engenho. Era um lugar que transpirava paz e tranquilidade, algo que minha mãe sempre comentava. O próprio nome Verde se referia a intensa arborização que existia ao redor”, contou.


Ele reforçou o desejo da família de que as memorias fossem preservadas. “É um assunto que sempre vem à tona quando estamos reunidos. Durante certo tempo até funcionou uma pousada na casa. Era uma forma de aproximação do público com as histórias do lugar. Com o fechamento, tudo foi sendo apagado gradativamente”, acrescentou.


O historiador José Luiz da Mota Menezes avalia que as memórias deixadas em Serro Azul seguem carentes de mais atenção. “Vimos a repetição de velhos erros, quando a chegada do progresso acaba anulando parte da história. Em visitas realizadas observamos que o lugar era bastante rico, indicando a necessidade de mais estudos”, disse. Segundo ele, o engenho pertenceu ao sogro do Capitão Pedro Veloso da Silveira, um dos líderes do movimento de caráter libertário que ocorreu em Pernambuco entre 1848 e 1850. Foi nas suas terras que nasceu o escritor Hermilo Borba Filho, considerado uma referência cultural.


Menezes aponta, ainda, outros registros semelhantes para a construção de grandes reservatórios no Agreste e Sertão. “Em Parnamirim, uma série de casas teve que dar lugar a barragem de Entremontes, causando grande descontentamento. Em Surubim, o mesmo aconteceu para a construção de Jucazinho. Algo maior ocorreu em Ibimirim, quando as obras do Poço da Cruz deram fim a vários povoados”, disse. Os registros históricos ainda dão conta de um grande extravasamento em Canhotinho, a 190 quilômetros do Recife, que arrasou municípios no estado vizinho, Alagoas, a exemplo de União dos Palmares e Branquinha.

 

 

Exemplos de reservatórios que desapropriaram famílias

 

- Ibimirim 
Barragem Engenheiro Francisco Saboia (Poço da Cruz)
Capacidade: 504 milhões de metros cúbicos

- Parnamirim
Barragem de Entremontes 
Capacidade: 339 milhões de metros cúbicos

- Surubim
Barragem de Jucazinho
Capacidade: 307 milhões de metros cúbicos

* O número estimado de famílias retiradas não foi informado


Solução para conter enchentes


Anunciada, ainda em 2011, a barragem de Serro Azul surgiu como solução para combater as enxurradas na região, bastante vitimada um ano antes. As obras, que deveriam durar apenas 18 meses, seguem em atraso, com investimentos na ordem de R$ 500 milhões. Segundo o Estado, 85% já estariam concluídos. O equipamento terá capacidade para armazenar 303 milhões de metros cúbicos de água, com um paredão de mais de 70 metros de altura e a expectativa de beneficiar diretamente 150 mil pessoas. O Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep) chegou a executar um mapeamento no Engenho Verde, com o uso de um scanner a laser. “A ideia era construir uma maquete tridimensional, analisando as plantas e preservando o espaço antes que a água fizesse tudo desaparecer. Também daríamos andamento a escavações para verificar elementos ocultados no passado”, explicou a arqueóloga Glena Salgado, que admite que o projeto está parado.


 

A Secretaria de Desenvolvimento Econômico, responsável pelo projeto, alegou que buscou ao máximo reduzir o espelho d’água, as desapropriações, assim como demais impactos na região. Questionada, a pasta não informou o quantitativo exato de famílias já indenizadas, os pontos para realocação, assim como o quantitativo de habitações destinadas a acolhê-las. O posicionamento é de que o antigo casarão do Engenho Verde está muito próximo ao rio e não haveria como mantê-lo. Ainda segundo a Sdec, somente a cheia de 2010 causou prejuízos da ordem de R$ 3 bilhões. Já a Fundarpe não respondeu à Folha sobre o pedido de tombamento do casarão, assim como a proposta de reconstrução do imóvel e a preservação dos elementos de todo o engenho.


 

 

Casarão encontra-se em ruínas

Casa-grande de lembranças

 

As lembranças da casa do Engenho Verde, com as receitas saborosas preparadas no fogão a lenha, ainda alimentam o imaginário do presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), Leopoldo Raposo, 67 anos. Ele é trineto do antigo proprietário e, durante a infância, ouvia os bons relatos pela boca da saudosa avó. “Ela se casou na própria capela do engenho. Era um lugar que transpirava paz e tranquilidade, algo que minha mãe sempre comentava. O próprio nome Verde se referia a intensa arborização que existia ao redor”, contou.

Ele reforçou o desejo da família de que as memórias fossem preservadas. “É um assunto que sempre vem à tona quando estamos reunidos. Durante certo tempo até funcionou uma pousada na casa. Era uma forma de aproximação do público com as histórias do lugar. Com o fechamento, tudo foi sendo apagado gradativamente”, acrescentou.

O historiador José Luiz da Mota Menezes avalia que as memórias deixadas em Serro Azul seguem carentes de mais atenção. “Vimos a repetição de velhos erros, quando a chegada do progresso acaba anulando parte da história. Em visitas realizadas observamos que o lugar era bastante rico, indicando a necessidade de mais estudos”, disse. Segundo ele, o engenho pertenceu ao sogro do Capitão Pedro Veloso da Silveira, um dos líderes do movimento de caráter libertário que ocorreu em Pernambuco entre 1848 e 1850. Foi nas suas terras que nasceu o escritor Hermilo Borba Filho, considerado uma referência cultural.

Outros casos
Menezes aponta, ainda, outros registros semelhantes para a construção de grandes reservatórios no Agreste e Sertão. “Em Parnamirim, uma série de casas teve que dar lugar a barragem de Entremontes, causando grande descontentamento. Em Surubim, o mesmo aconteceu para a construção de Jucazinho. Algo maior ocorreu em Ibimirim, quando as obras do Poço da Cruz deram fim a vários povoados”, disse. Os registros históricos revelam, também, um grande extravasamento em Canhotinho, a 190 quilômetros do Recife, que arrasou municípios no estado vizinho, Alagoas.

 

FolhadePE

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