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A morte por infarto agudo do miocárdio da médica Ana Carolina Borges Gorga, 30, no mês passado durante plantão em um hospital de Cubatão (litoral paulista), acendeu o alerta para a escalada desses óbitos em mulheres jovens durante a pandemia de Covid-19.
Um levantamento inédito da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), a partir dos dados do Portal da Transparência da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), mostra que entre 20 e 29 anos, foram 161 mortes em 2021, contra 132 em 2020 e 131, em 2019 -um aumento de 22%.
Entre mulheres de 30 a 39
anos, a alta foi de 27% em relação a 2020 (638 contra 494). Em 2019, foram 464
óbitos. Entre 40 e 49 anos, o salto foi de 25,3% (2.050 mortes contra 1.636).
Em 2019, foram 1.543 óbitos.
Os dados foram extraídos a partir das certidões de óbito registradas nos
cartórios. As informações oficiais do SIM (Sistema de Informações sobre
Mortalidade), do Ministério da Saúde, de 2021, ainda não estão disponíveis.
O aumento de mortes por infarto também é observado entre homens jovens no
período. Por exemplo, na faixa etária dos 20 aos 29 anos, passou de 351 para
440, entre 2019 e 2021. Dos 30 aos 39, passou de 1.106 para 1.531. E entre 40 e
49 anos, de 3.513 para 4.243.
Um estudo apresentado em encontro do Colégio Americano de Cardiologia mostra
que, nos Estados Unidos, o número de infartos se estabilizou entre os
americanos mais velhos, mas a incidência entre adultos jovens se amplia 2% ao
ano. O mesmo movimento começa a ser observado no Brasil. A explicação seria o
aumento de hábitos não saudáveis, como sedentarismo, excesso de peso, tabagismo
e estresse -que pioraram durante a pandemia de Covid-19.
A preocupação dos médicos é que, em relação às mulheres jovens, ainda há muita
dificuldade no reconhecimento dos sinais de infarto, que são confundidos com
crise de ansiedade, por exemplo. Tanto por elas próprias e seus familiares
quanto nas salas de emergência dos hospitais.
Foi o que aconteceu com
auxiliar de enfermagem Bianca de Souza da Silva, 36, do Rio de Janeiro. Ela
sofreu um infarto no dia 29 de julho de 2020, dois meses depois de ter tido a
forma leve da Covid. "Comecei a sentir calafrios, sudorese e muita dor no
peito. Meu marido pensou que fosse crise de ansiedade porque eu já tive anos
atrás. Mas eu sentia que era algo diferente."
Como não tinha nenhum fator de risco cardíaco, a equipe médica que a atendeu na
emergência também suspeitou de ansiedade e a medicou com ansiolítico. "Eu
dizia: doutora, eu tô infartando, eu tô infartando. E ela respondia: 'esse
remédio vai te acalmar.' Quando saiu o resultado do exame de sangue, só me
lembro de ouvir o pessoal gritando CTI, CTI, CTI, ela infartou, ela infartou.
Fiquei uma semana na UTI."
De acordo com o cardiologista intervencionista Esmeralci Ferreira, coordenador
do setor de hemodinâmica do Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio, para
onde Bianca foi transferida para fazer uma angioplastia, é muito comum que os
sintomas do infarto em mulheres jovens sejam negligenciados por elas e pelos
companheiros, levando a uma demora na busca por atendimento.
"Esse tempo mais demorado leva a mais perda de músculo cardíaco, e o
resultado tende a ser pior porque já tem uma formação de trombo mais
acentuada", explica Ferreira.
A cardiologista Gláucia Maria Moraes de Oliveira, professora da Uerj
(Universidade Estadual do Rio de Janeiro), também reforça que essa demora no
reconhecimento do infarto em mulheres jovens também ocorre nos setores de
emergência nos hospitais.
"Há estudos que mostram que os médicos ainda têm dificuldade de perceber
esses sintomas. Acham que as mulheres estão estressadas, ansiosas, as medicam e
logo as despacham. Há alguns trabalhos mostrando que as médicas mulheres
parecem estar mais atentas em reconhecer esses sintomas, e a taxa de
sobrevivência das pacientes acaba sendo maior."
Historicamente, há aumento de
casos e mortes por infarto e doenças cardiovasculares em mulheres acima dos 50
anos e isso já é esperado devido à menopausa. Nessa fase da vida da mulher,
existe uma perda da proteção que o hormônio estrogênio dá ao coração. Entre
outras funções, esse hormônio estimula a dilatação dos vasos, facilitando o
fluxo sanguíneo.
Para cardiologistas, o aumento dessa juvenilização das mortes cardíacas por
infarto também pode estar ligada à Covid-19, uma vez que pesquisas já mostraram
que a pandemia tem aumentado o risco de doenças cardiovasculares. Tanto pelos
efeitos da infecção no coração quanto pela piora dos hábitos de vida.
É também a justificativa de Bianca Silva na falta explicação clínica para ter
infartado aos 35 anos e agora carregar no coração dois stents. "Meu
colesterol é baixo, não tenho sobrepeso, me alimento bem, não sou sedentária,
não tenho hipertensão ou diabetes, não tenho histórico familiar de doença cardíaca.
Só pode ter sido a Covid", diz ela, que teve a forma moderada da doença
dois meses antes do infarto.
Para a cardiologista Maria Cristina de Almeida, que coordena o departamento de
doença coronariana da Sociedade Brasileira de Cardiologia, independentemente
dos efeitos sabidos da Covid-19 no coração, é muito mais provável que esse
aumento de mortes por infartos em mulheres jovens esteja relacionado ao estilo
de vida, que piorou durante a crise sanitária.
"Elas estão estressadas, mais sedentárias, fumando muito, com obesidade,
deprimidas e isso tudo afeta o coração. Sem falar da associação entre tabagismo
e o uso de anticoncepcional oral. Isso é um veneno. Com a pandemia, a situação
piorou ainda mais."
Dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças
Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel, 2020), 65% das mulheres entre 18 e
45 anos estão com excesso de peso, e cerca de um quinto delas, obesas. Cerca de
27% têm hipertensão. Já a taxa de diabetes, outra doença que aumenta o risco
cardiovascular, dobrou entre mulheres de 24 a 35 anos.
A faxineira Adriana de Souza
Ferreira, 42, infartou em agosto de 2020. "Minha vida era muito corrida,
estressada, me alimentava mal, fumava muito, estava com sobrepeso, não
praticava exercício. Só vivia correndo de lá para cá. Na pandemia, piorou, tudo
ficou ainda mais difícil", conta.
Ela diz que nem suspeitou que as dores nas costas, no peito e nos braços
pudessem ser sintomas de um ataque cardíaco. "Quem imagina infartar com 40
anos? Achei que fosse dor muscular. Mas foi piorando, chamaram ambulância e, a
caminho do hospital, sofri uma parada cardíaca. Chegando ao hospital, sofri
outra."
Segundo a cardiologista Gláucia de Oliveira, a tendência de aumento de mortes
de mulheres jovens por infarto e outras doenças cardiovasculares já era
observada antes da pandemia não só no Brasil como nos Estados Unidos também.
"Com a pandemia, os filhos em casa, a carga de trabalho triplicou. A
ansiedade, a depressão, os determinantes sociais são muito mais prevalentes na
mulher."
Segundo Almeida, da SBC, em geral, a mulher não pensa que pode sofrer ou até
morrer de doenças cardiovasculares. "Ela é mais fiel ao ginecologista do
que ao cardiologista. Ela não sabe que se morre muito mais de doença
cardiovascular do que de câncer ginecológico."
No Brasil, mais de 200 mulheres de todas as idades morrem por dia vítimas de
infarto. Se somados outros problemas cardiovasculares, como o AVC, o número de
mortes chega a ser seis vezes maior do que as causadas por câncer de mama.
A médica lembra um problema ginecológico muito comum entre as mulheres jovens,
a síndrome dos ovários policísticos, também aumenta o risco cardiovascular.
Em geral, a síndrome vem acompanhada de obesidade, alteração do metabolismo da
glicose, e hipertensão. Mulheres jovens que tiveram pré-eclâmpsia, diabetes
gestacional, abortos de repetição ou que tiveram bebês prematuros também têm um
risco maior.
De acordo com a cardiologista Gláucia de Oliveira, da Uerj, atualmente há uma
"árdua" tentativa de parceria dos cardiologistas com as sociedades de
ginecologia e obstetrícia.
"É preciso que eles chamem atenção das mulheres para esse aumento enorme
do tabagismo, da obesidade, da glicose sérica e do sedentarismo. Além disso
tudo, elas ganham 'de grátis' a hipertensão. Se a gente não fizer nada, cada
vez mais mulheres jovens vão morrer."
Adriana Ferreira, mãe de dois filhos, diz que nunca foi alertada para esses
riscos. "Foi um susto muito grande. Agora parei de fumar, tô comendo
coisas mais saudáveis, verduras, me alimento melhor, com fruta, legumes, faço
pelo menos uma hora de caminhada, tomo meus remédios direitinho."
Gláucia Oliveira também lembra que uma parte dos infartos em mulheres jovens
não está relacionada a doenças obstrutivas das coronárias. Uma das causas é a
dissecação espontânea da coronária. É uma condição rara, que afeta, em geral,
pessoas mais jovens, sem fatores de risco cardíacos. Pode ser causada por
diversos fatores, como uso de contraceptivos associados ao tabagismo.
FONTE: NOTÍCIA AO MINUTO.