Dados coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que 58.559 pessoas morreram vítimas de homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte, latrocínios e ações policiais em 2014. Isso equivale a uma morte a cada nove minutos, em média, no país. É como se toda a população de uma cidade como Coruripe (AL) fosse dizimada em um ano.
Os dados constam do 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública e revelam um aumento de quase 5% no número de mortes em relação a 2013 (55.878). A taxa, que antes era de 27,8 mortes a cada 100 mil habitantes, agora está em 28,9.
Alagoas continua na primeira posição do ranking. A taxa de mortes violentas no estado do Nordeste é de 66,5 a cada 100 mil – inferior, no entanto, à registrada no ano anterior (68,9). São Paulo detém o menor índice: 12,7.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), locais com índices iguais ou superiores a 10 são tidos como zonas endêmicas de violência – todos os estados estão incluídos nessa classificação.
O professor da FGV e vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, diz que o Brasil vive um dilema. “A pesquisa Datafolha divulgada nesta semana mostra que 52% das pessoas têm um parente ou um conhecido vítimas de homicídio. Ou seja, não é mais um crime que atinge só um pedaço da população. O problema é que os brasileiros estão anestesiados pela violência e têm a sensação de que se trata de uma tragédia que já não é nova, mas que nada acontece, que não há o que fazer. Essa ideia precisa ser combatida.”
Topo do ranking
O chefe do Núcleo de Estatística e Análise Criminal da Secretaria de Segurança Pública de Alagoas, capitão Anderson Cabral, diz que o estado, por exemplo, tem conseguido reduzir os índices ano a ano. “Desde 2012 até agora, juntamente às ações do Plano Brasil Mais Seguro, o estado tem feito um trabalho mais específico nas áreas de maior criminalidade. A gente tem trabalhado com o Disque Denúncia, direcionando as forças de segurança com base nas informações que a população passa. Foi criada a Delegacia de Homicídios da capital e também a de Arapiraca para otimizar as investigações desse tipo de crime, antes feitas em delegacias comuns. Essas e outras medidas têm contribuído para prender suspeitos e retirar os criminosos das ruas”, diz.
“A estimativa para este ano é ficar abaixo dos 50 homicídios por 100 mil habitantes. No último mês de setembro, Alagoas alcançou uma marca histórica com o menor número de mortes violentas dos últimos três anos. Se a gente mantiver esse percentual, até o final do ano a gente conseguirá retirar o estado do topo dessa lista”, afirma Cabral.
Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública foram obtidos por meio de solicitações às secretariais estaduais da Segurança Pública com base na Lei de Acesso à Informação e por meio de cruzamento de informações disponibilizadas pelos órgãos na web.
Neste ano, o fórum adotou uma nova metodologia para poder calcular as taxas de mortes violentas por estado. Nas oito edições anteriores, o documento analisava os registros de homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte, letalidade e vitimização policial apenas de forma isolada, seguindo o padrão tradicional. Mas como em alguns estados um caso de homicídio doloso era considerado lesão corporal seguida de morte e um latrocínio não era identificado como tal, por exemplo, eram geradas distorções. Foi criada, então, uma taxa que agrega todos os indicadores (apesar de eles também terem sido divulgados à parte).
O estudo revela que apenas 1/3 dos estados conseguiu reduzir a taxa de mortes violentas de 2013 para 2014. São eles: Roraima, Alagoas, Paraíba, Minas Gerais, Acre, Distrito Federal, Paraná, Espírito Santo e Goiás.
“Os indicadores mostram que a gente está diante de um problema nacional e que exige ações imediatas. Não é um problema exclusivo de um lugar. É preciso construir uma política que envolva todos os atores envolvidos, fazer uma coalizão ampla frente à violência, e buscar soluções diferentes das usadas em quase um século e que têm se mostrado ineficientes. Muito se fala em agravar as penas para crimes violentos, por exemplo. De que adianta aumentar a pena se só 8% dos homicídios são esclarecidos, se a chance de um criminoso ser pego é pequena? O Estado precisa ser mais inteligente”, afirma Renato Sérgio de Lima.
Entre medidas a serem adotadas, o especialista sugere uma instrução por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que agilize os processos de homicídios e mortes violentas.
Ações policiais
De acordo com o anuário, houve no ano passado 52.305 vítimas de homicídio doloso. Outras 3.022 pessoas morreram em decorrência de ações policiais (tanto em serviço quanto fora dele) – um crescimento de 37% em um ano. Por outro lado, 398 policiais foram assassinados (número ligeiramente menor que o de 2013, quando 408 agentes acabaram mortos).
Além disso, 2.061 pessoas morreram em decorrência de latrocínios (roubos seguidos de morte) e 773, por lesões corporais.
Para Renato Sérgio de Lima, chama a atenção o número de mortos pelas polícias. “As mortes pela polícia são 46,6% maior que as mortes por latrocínio. Isso é bastante significativo, porque os latrocínios assustam a população e tendem a justificar posições mais duras na resposta aos criminosos.”
O pesquisador, no entanto, diz que a ideia de "bandido bom é bandido morto", corroborada por metade da população, segundo pesquisa Datafolha, não pode ser encarada como um consenso. “A população não está necessariamente embarcando nessa onda. Há uma divisão. A polícia, portanto, não tem que acreditar que está fazendo o que a população quer. Há uma disputa pelo que significa lei e ordem. E aí a gente precisa discutir: qual o procedimento mais adequado? Valorizar reformas e mudanças que garantam o que está previsto na Constituição ou simplesmente investir mais dinheiro em armas, viaturas, efetivo?”
A Bahia, apesar de figurar apenas na 9ª posição entre os estados no que diz respeito à taxa de crimes violentos, possui o maior número absoluto de mortes: 6.265 (um aumento de 4% em comparação com 2013) – o que corresponde a mais de 10% de todos os registros do Brasil.
A Secretaria da Segurança da Bahia diz que não irá comentar os dados, pois não teve acesso ao levantamento.