Após nove meses de investigação, a CPI das Faculdades Irregulares recomendou ao Ministério Público Federal (MPF) o indiciamento de 16 pessoas. O relatório ainda está sendo analisado. Mas promotores atestam que milhares de pessoas continuam sendo lesadas por instituições fraudulentas em Pernambuco. A situação não está controlada e a abertura de novos estabelecimentos piratas é frequente.
O Ministério da Educação (MEC) adiantou à Folha de Pernambuco que fará uma ação preventiva para enfrentar o problema, com apoio do Ministério da Justiça. Mas alega não ter jurisdição sobre as instituições que não são credenciados. Enquanto isso, os universitários prejudicados esperam resgatar as disciplinas cursadas. A Folha percorreu cidades do Interior e ouviu os lamentos dos estudantes que, muito mais que dinheiro, tiveram a ingenuidade explorada.
Era com esperança que a dona de casa Marcilene de Farias, 31 anos, E caminhava mais de 30 minutos para chegar à faculdade. A rotina durou quatro anos. Debaixo de sol e chuva, não faltava uma aula. Nas costas, levava uma mochila pesada. Carregava livros, cadernos e o sonho de ser professora. Estudou Pedagogia no Centro de Ensino, Pesquisa e Inovação (Cenpi), no município de Limoeiro, Agreste do Estado, a 85 km do Recife. Investiu tempo e dinheiro.
O sustento vinha do marido, que ganhava um salário mínimo (R$ 880). Pensou em desistir no segundo período por não ter condições de pagar o curso, que, na época, custava R$ 100 por mês. Mas descobriu uma forma para bancar os estudos. “Comecei a vender copos de salada de fruta a R$ 1 lá na faculdade. E isso me ajudou a terminar o curso”, contou Marcilene.
Pelo menos uma vez por semana, folheia as fotos do álbum de formatura. Em julho do ano passado, colou grau, participou da missa e da festa. Além de gastar cerca de R$ 7 mil em matrículas e mensalidades, desembolsou R$ 250 para ter direito ao diploma. Até hoje não recebeu.
Após alguns dias de formada, soube, por conhecidos, que o caminho percorrido todo sábado, o dinheiro investido e a esperança de um dia ser professora tinham ido embora com a sola da sandália surrada que usava para andar até a instituição. Marcilene descobriu que a Cenpi não era reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC). O centro é um dos 16 estabelecimentos de ensino que foram investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada pela Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
“Eles roubaram o meu sonho. Perdi o ânimo. Minha filha tinha acabado de nascer quando soube. Mas foi quem me deu forças para seguir adiante. Ela tem um futuro pela frente”, desabafou Marcilene, que está desempregada e sem perspectiva de futuro. “Não estou trabalhando e não tenho condições, no momento, de me matricular em outro curso”, lamentou. Sua esperança é que as autoridades competentes analisem o caso e disponibilizem uma prova de proficiência para os alunos prejudicados. “É o que eu posso fazer agora. Torcer para que Deus toque o coração dessas pessoas. Estou sem acreditar ainda”, disse, chorando.
Investigação
“A ousadia na irregularidade é grande. Mesmo após pedidos de indiciamento, continuam enganando estudantes. Mudam de endereço. Dizem aos alunos que é tudo mentira da CPI”, constatou a presidente da comissão, a deputada estadual Teresa Leitão. A CPI realizou 21 reuniões. Cento e cinquenta e uma pessoas prestaram depoimentos, entre alunos, professores e diretores das instituições.
O pedido dos 16 indiciamentos de sócios e diretores foi baseado na oferta de graduações sem o credenciamento do ministério. As investigações apontaram os crimes de propaganda enganosa, sonegação fiscal, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa. O esquema envolveu todos os estados da Região Nordeste, alguns da Região Norte, além do Distrito Federal, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Todos cursos semipresenciais ou a distância. Alguns com aulas apenas uma vez por semana. Mas sempre a mesma promessa de diploma ao final. A comissão já convocou os conselhos Estadual e Municipal de Educação, além de ter comparecido ao MEC, em Brasília, para cobrar providências. “O Ministério vai construir conosco uma alternativa. Vamos acompanhar cada passo”, disse a deputada.
Até então, o angolano Nico Antonio Bolama, representante legal do Cenpi, foi o único preso. Responderá pela prática dos crimes de estelionato, falsidade ideológica e publicidade enganosa. Ele está na Cadeia Pública de Goiana, na Mata Norte de Pernambuco.
Folha PE