Foto: Arthur Souza
Quando se fala sobre o Parque Estadual Dois Irmãos logo vem à cabeça apenas o jardim zoológico. Mas o que poucos sabem é que o zoo representa apenas uma pequena parte de um dos maiores remanescentes de mata atlântica inserido em perímetro urbano no país. A área aberta à visitação pública corresponde a 14 hectares de um total de 1.100 hectares. É justamente na parte restrita, de floresta fechada, que um tesouro muito maior se esconde.
Uma equipe multidisciplinar de pesquisadores da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) desvendou uma biodiversidade ímpar de fauna e flora, revelando espécies raras, algumas delas em extinção. Só nos últimos três anos foram registradas 42 espécies de anfíbios, sendo que duas delas correm o risco de desaparecer. Um estudo sobre os olhos d’água do espaço revelou a qualidade desses reservatórios e a presença de espécies exóticas (não nativas) de peixes. Os resultados do levantamento para o Parque Dois Irmãos integram o Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio).
A equipe que estuda o Parque Dois Irmãos é composta por 50 estudiosos de áreas diversas. Juntos, trabalham para um conhecimento mais sistemático do solo, biota aquática, anfíbios, répteis, aves, morcegos, mamíferos e aspectos relacionados à ecologia de plantas. O projeto, reconhece o gerente do parque, George do Rêgo Barros, é a ferramenta-chave para a comunidade científica avançar, ao mesmo tempo em que permite um acesso mais claro sobre a biodiversidade que não está ao alcance dos olhos do público. Até ele se diz surpreso com as descobertas já feitas.
“A gente vê a mata, mas não tem a mínima noção do que há por trás. Eu mesmo, nem sabia que tínhamos esquilo e tamanduaí, menor espécie de tamanduá. Até lontras ocorrem nos açudes do parque. Eu sou gestor há quase três anos e nunca imaginaria um tesouro desse. Se eu me surpreendi, quem dirá as outras pessoas que nem têm ideia de que o parque vai além de um zoológico?”, comenta.
Até situações engraçadas, relembra Barros, fazem parte do cotidiano do ecossistema. “Durante dois meses chegamos a acompanhar uma briga por espaço numa árvore entre uma família de pica-paus e um araçari (tipo de tucano)”, conta, sorrindo.
Mas, nem tudo são flores no caminho dos pesquisadores. O maior problema deles, dizem, é a falta de segurança para a realização de pesquisas na área. Até as aulas práticas deixaram de complementar as cadeiras acadêmicas devido ao risco de violência. “Equipamentos de pesquisa foram furtados e alguns pesquisadores foram vítimas de assaltos. A sensação de insegurança é permanente e, muitas vezes, inviabiliza estudos em algumas áreas do parque ou impedem a sua continuidade. Há trechos no interior da floresta que não não dá para arriscar”, lamenta a coordenadora do PPBio, Ana Carolina Lins e Silva.
A gestão do Parque Dois Irmãos reconhece as dificuldades enfrentadas pelos estudiosos. “O Estado já vem traçando um plano emergencial para a contração de segurança privada para dar segurança aos pesquisadores e também proteção à mata, que ainda sofre com invasões, caça ilegal e desmatamento”, explica George Barros. A medida seria a mais adequada, uma vez que os horários das pesquisas nem sempre são compatíveis com a disponibilidade de policiais militares. Há, por exemplo, animais com hábitos noturnos, o que exige uma observação mais cautelosa pelos especialistas.
O Parque Estadual Dois Irmãos é uma unidade de conservação inserida no grupo de proteção integral. Esse tipo de UC não pode ser habitada pelo homem, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais - em atividades como pesquisa científica e turismo ecológico, por exemplo. Mas, na prática, a UC não faz jus à sua categorização. “Muita coisa vem sendo descoberta com os estudos. Todavia, o parque e as áreas de procriação das espécies sofrem sérias ameaças devido aos impactos causados pelas pessoas. Falta fiscalização e apoio do governo quanto às necessidades de manutenção dessa unidade de conservação”, critica a professora Ednilza Maranhão, responsável por coordenar os estudos relacionados à herpertologia (anfíbios e répteis) no PPBio.
Biota aquática
Esse estudo avalia o conjunto de seres vivos presentes nos quatro reservatórios que compõem o parque: os açudes do Prata, de Dentro, do Meio e o de Dois Irmãos. Tendo como orientadora a professora Karine Magalhães, os estudiosos compararam a qualidade dos olhos d’água. No Açude do Prata e de Dentro predominaram plantas de fundo de lago, um ótimo indicador de qualidade da água. “A água pura contribui para uma formação vegetal submersa porque a quantidade de nutrientes está em equilíbrio. Fauna e flora estão em harmonia”, atesta Karine. Já os demais estão em pior situação.
“A luz solar e o acúmulo de matéria orgânica em decomposição favorecem a proliferação da flora flutuante, o que não é bom. Um exemplo clássico são as baronesas. Elas cobrem o espelho d’água, impedindo a troca de oxigênio com peixes e plânctons”, detalha. A presença de espécies exóticas de peixes também foi identificada. “Três espécies dominaram o Açude Dois Irmãos: tucunaré, traíra e pirambeba (piranha branca). Elas comem de tudo. Inclusive, peixes nativos”, detalha.
Morcegos
Esse setor, que tem como coordenador o professor Luiz Menezes, levantou 31 espécies de morcegos de diferentes hábitos alimentares (frugívoros, nectarívoros, insetívoros, hematófagos, piscívoros e carnívoros) e resultou na captura de 1,2 mil indivíduos. Pode-se destacar nesse trabalho dois novos registros para o parque - Tonatia saurophila e Phyllostomus elongatus. “O morcego-do-pescoço-laranja foi registrado apenas duas vezes no Estado, sendo uma dessas no Parque Dois Irmãos. Um presente da natureza, tendo em vista a forte pressão da ação humana que esse fragmento florestal sofre”, observa. Segundo o pesquisador, as espécies descobertas contribuem de forma eficiente em diferentes serviços ecossistêmicos. “Dentre eles, a polinização, dispersão de sementes e controle da população de insetos”, acrescenta Menezes.
Herpetologia
Orientada pela professora Ednilza Maranhão, essa ciência estuda a ecologia, saúde e comportamento de répteis e anfíbios. No Parque Dois Irmãos, a equipe levantou mais de 16 espécies de serpentes, três de anfisbênia (nome genérico da cobra-cega ou cobra-de-duas-cabeças), 15 de lagartos, dois de jacarés e duas espécies de testudines (répteis de carapaça, como cágados). Já em relação aos anfíbios, 43 espécies foram identificadas nos últimos três anos. “Mas, duas merecem destaque, a Agalychnis granulosa (perereca) e Chiasmocleis alagoanus (rã), pois se encontram ameaçadas de extinção”, alerta Ednilza. O Frostius pernambucensis (sapinho), em situação de vulnerabilidade, ocorre apenas em Pernambuco. Essa espécie tem seu ciclo de vida associado a bromélias e também está entre as espécies descobertas no parque.
Ornitologia
Jozélia Correia, pesquisadora responsável por coordenar os estudos ornitólogos (de aves), destaca que o Brasil é o terceiro País em número de espécies de aves, com 1,9 mil registradas. Na mata atlântica, mais de mil espécies já foram registradas, sendo 450 em Pernambuco. No Parque Dois Irmãos, os estudiosos registraram 199 espécies, com a captura de 542 aves de 18 famílias. “Durante as pesquisas, deparamo-nos com problemas como a captura ilegal com gaiolas e redes de neblina, caça com cachorros e prática de motocross”, denuncia. Após análise, as aves são anilhadas para identificação e soltas. Entre as espécies mais capturadas estão a Ceratopipra rubrocapilla, a Chiroxiphia pareola, a Turdus leucomelas, a Arremon Taciturnus e a Xiphorhynchus atlanticus. Parasitas também foram constatadas em 88 aves de 20 espécies.
Solos
Coordenado pela professora Caroline Bondi, o estudo do solo do Parque Dois Irmãos visa identificar os micro-organismos presentes, o volume de nutrientes, os metais pesados vindos por influência da rodovia que passa pelo entorno, assim como o quantitativo de gás carbônico estocado no solo. As pesquisas iniciaram no trecho de floresta intocada ou onde a ação humana não provocou significativas mudanças. Depois, as florestas em regeneração serão alvos de estudo. “É o solo que sustenta uma vegetação, então, onde não houver cobertura vegetal poderemos ver se ele está mais empobrecido. Os primeiros dados, segundo Caroline, estarão prontos em agosto.
Folha PE