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Recentemente, a comunidade autônoma da Catalunha, que hoje faz parte da Espanha, promoveu o maior referendo já realizado na região para consultar a população catalã sobre sua independência ou permanência em relação à Espanha. De acordo com o governo catalão, o resultado do pleito foi de 90% dos votos a favor da separação e 7,8% dos votos contrários - o restante votou nulo ou branco.
Mas o que pode acontecer se isso realmente acontecer? E quais as chances de acontecer? A seguir, explicamos essa complexa questão e quais podem ser suas consequências.
O referendo não é reconhecido pelo governo central espanhol, que determinou que ele nem deveria ocorrer - e este foi o estopim dos confrontos vistos no dia da votação. Policiais foram designados para impedir que seções eleitorais fossem abertas e houve diversas cenas de violência e abusos por parte deles, além de reações e manifestações mais agressivas dos separatistas.
Dois dias depois do resultado da votação, Puigdemont não confirmou a autoindependência catalã, mas reforçou que "vai agir no final desta semana ou começo da próxima".
A situação deixa um clima de incerteza para a Catalunha e para a Espanha. O que irá acontecer com Catalunha e Espanha se o anúncio se confirmar?
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"Todos os benefícios que a Catalunha tem por fazer parte da União Europeia deixarão de existir. Os separatistas mais otimistas gostam da ideia de que a UE aceite um período de transição e que a Catalunha não precise passar pelo processo que outros países passam. Não é provável que isso aconteça", explica Rodolfo Pereira Chagas, professor de geopolítica do curso de Relações Internacionais da Universidade Belas Artes, em entrevista ao VIX ??????. "A comunidade internacional deve seguir a decisão da UE, e o bloco não deve reconhecer a autonomia, com medo de criar um precedente em toda Europa".
A primeiras consequência seria a necessidade da criação de uma Constituição, com sistema jurídico e administrativo próprio - por exemplo, se o país será presidencialista ou parlamentarista. Nestas novas leis, teria que ser definido um novo sistema para as relações diplomáticas do novo país, como regras para a concessão de vistos.
Dessa forma, o fluxo de turistas estrangeiros pode ser afetado. Ou seja, Barcelona, capital catalã, pode deixar de ser a cidade mais visitada de toda Espanha. E pode impactar inclusive os viajantes brasileiros: nosso país, assim como a comunidade internacional, não deve reconhecer uma independência unilateral da Catalunha.
No caso de uma decisão unilateral, a Espanha deve impor à Catalunha algumas restrições comerciais e a mesma medida pode ser seguida pelos países da União Europeia. Imediatamente, a equilibrada economia catalã irá sofrer - desde o referendo, o valor das empresas espanholas e catalãs nas bolsas de valores caíram.
Além disso, o novo país não poderá ter no euro sua moeda oficial. A UE é bastante rígida com as regras em relação aos países que integram a zona do euro e não deve conceder tal direito a um Estado sem reconhecimento.
No futebol (ou em qualquer esporte), a seleção espanhola não poderia contar mais com atletas nascido na Catalunha, como Gerard Piqué, a não ser que reconheçam cidadania espanhola em detrimento da catalã. E corre na Europa a informação de que o Barcelona abandonaria a Liga Espanhola e poderia jogar nas ligas francesa ou inglesa.
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A Catalunha tem uma população de 7,5 milhões de pessoas, aproximadamente 12% de toda Espanha. Sua ocupação territorial é equivalente a 13% de todo território espanhol.
Contudo, ela é tida como o motor da economia do país: é a região que mais produz riqueza. Representa 19% do PIB espanhol, responde por 25% de todas exportações espanholas, atrai 14% dos investimentos estrangeiros e é também a região turística mais visitada e badalada da Espanha.
Por outro lado, o premiê espanhol Mariano Rajoy afirma que o Estado espanhol não reconhece a consulta popular, a considera ilegal e até acionou a Justiça para impedir que ocorresse e que desconsidera seus resultados. “Não houve um plebiscito. Não vimos nenhum tipo de consulta, mas uma mera encenação”, disse.
Caso a Catalunha se autodeclare independente da Espanha, o mais provável é que o governo central espanhol suspenda todo tipo de autonomia catalã. E a tendência é que o plebiscito não seja reconhecido como válido também pela comunidade internacional - até o momento, apenas a Venezuela toma a votação como uma determinação popular válida.
Há receio de que a aceitação da independência catalã seja a primeira peça de um dominó que pode estimular outras unidades territoriais espanholas e europeias a agirem de mesmo modo. Na Espanha, são 17 unidades territoriais, mas três delas têm status de “nacionalidade histórica”: além da Catalunha, o País Basco e a Galícia.
O separatismo não é aceito pela Constituição da Espanha e também rejeitado pelas normas da União Europeia.
A decisão de tornar a Catalunha independente da Espanha não é a unanimidade que o resultado do plebiscito faz parecer. A grande massa dos eleitores que foi às urnas no domingo faz parte da parcela da população que defende o separatismo catalão.
O jornal espanhol El País publicou duas consultas populares de opinião realizadas na Catalunha sobre o tema. De acordo com a publicação, uma pesquisa encomendada pelo governo catalão revelou que 49% dos habitantes são contra a separação e 41% são favoráveis - os demais não sabem. Outra pesquisa, realizada pelo próprio jornal, informou que 61% dos catalães não consideram que esse plebiscito tenha valor legal, mas que 82% da população é a favor de que ocorra um referendo oficial em um futuro próximo.
A Catalunha nunca foi um país independente, embora tenha elementos que configurem de nação (cultura e língua próprias, por exemplo) desde a Idade Média. Era região integrada ao reino de Aragão até 1492, quando este se unificou com Castela e deu origem ao Império Espanhol.
Ao longo de pouco mais de dois séculos, a Catalunha alternou momentos de integração e resistência ao império, com governo autônomo. O momento de maior tensão foi a emergência da Guerra de Sucessão espanhola, que culminou com a derrota catalã e a “queda de Barcelona”, em 11 de setembro de 1714 - até hoje, a data é lembrada como Dia da Catalunha em homenagem à luta contra a monarquia.
O período foi especialmente duro para a Catalunha: Franco proibiu o idioma catalão e rechaçou à força qualquer projeto autonomista da região. "Ao longo do século, os Estados europeus, que são majoritariamente plurinacionais, encontraram formas democráticas de pacificar as diferenças. A Espanha foi exceção com a ditadura. Quando o regime acabou, o país promoveu um processo de democracia a toque de caixa e, como não tinha identidade nacional fortalecida, abriu espaço para que resgatassem identidades nacionais reprimidas", contextualiza o professor de geopolítica.
Com queda da ditadura franquista nasceu a nova Constituição Espanhola, em 1978, que novamente permitia autonomia administrativa à região, nos moldes da “Generalitat”, modelo de gestão que marcou o período político pré-Franco. Desde então, alguns grupos políticos defendem e militam em prol da separação total entre Catalunha e Espanha.
Em 2013, os dois principais partidos catalães conseguiram organizar o primeiro referendo para ouvir a opinião pública - partidos de oposição boicotaram a votação. O resultado foi próximo ao atual: 2,3 milhões de pessoas compareceram e 80,7% se declaram a favor da independência.
Vix