A abertura do Carnaval do Recife, que ocorreu nesta sexta-feira (5), foi muito além da folia. O cortejo de maracatus que tradicionalmente abre as festividades é, literalmente, uma procissão religiosa com os diversos grupos – chamados de nações – marchando (a maioria descalços) solenemente pelas ruas do Recife Antigo ao som dos batuqueiros e o apito do maestro. Este só cessa quando todos se encontram no Marco Zero para aguardar pelas instruções de Naná Vasconcelos.
O percussionista pernambucano, um dos mais bem sucedido músico brasileiro no exterior, é praticamente uma entidade sagrada no estado. Quando surgiu de branco no palco, por volta das 19h30 no palco principal, todos os músicos ficaram em silêncio para ouvi-lo falar. Um minuto depois, com apenas um gesto, os 11 grupos, em uníssono, fizeram a mesma batida do maracatu.
A questão religiosa está muito presente no maracatu. Wanessa Paula Santos, 32 anos, presidente da nação Maracatu Nação Cambinda Estrela, fundada em 1935, conta que só os batizados nas religiões de matriz africana podem ocupar os cargos de alta patente, como a Dama do Paço, a Ana Maria, 58, e o Rei, o Erasmo Rodrigues, 38.
"Apenas na nossa nação são 100 batuqueiros", explica Wanessa. No cortejo de Carnaval, a faixa de idade ia de 8 anos a 55. O mais velho do grupo era economista Anizio Lopes, 55. "Embora eu seja o mais velho de idade, eu não sou a pessoa com mais tempo de Nação Cambinda Estrela", contou. Ele decidiu entrar para o maracatu a pedido da filha, Natalia Lopes, 26. "Sempre gostei da batida do maracatu e queria fazer parte de uma nação. Chamei meu pai e começamos a frequentar o grupo".
Ao todo, as 11 nações levaram mais de 400 instrumentistas para o Marco Zero, onde se reuniram pela primeira vez em carnavais com dois grupos de Caboclinhos. O maracatu, em Recife, representa a influência africana, já os caboclinhos são do lado dos índios. Na praça, o primeiro grupo marcou o ritmo para a dança tradicional dos segundo, sempre acompanhado por Naná Vasconcellos e seus convidados, que se revezaram no palco.
Um desses convidados foi o cantor Lenine. "Esse cortejo que a gente fez com o Naná foi muito sério para mim. Ainda vou digerir isso tudo. É uma carga de ancestralidade e religiosidade muito grande", disse ao UOL após a apresentação. "Mas, tocar aqui no Carnaval é outra coisa. É outra coisa que significa rever os amigos e estar com a família, com os irmãos e os sobrinhos. Tem uma carga emocional que eu fico com uma ressaca danada", explicou.
O prefeito de Recife, Geraldo Julio, e o governador do Estado, Paulo Henrique Câmara, também acompanharam a abertura do Carnaval. Ao UOL o prefeito destacou o retorno que o Carnaval traz para a cidade. "Muita gente ganha dinheiro com a festa. As pessoas esperam o Carnaval para ganhar dinheiro", disse. "O Carnaval de Recife é feito pelo folião. Nós só organizamos", contou.
Já o governador destacou o cuidado com o mosquito que transmite a Zika e também elogiou o folião pernambucano. "Todo cuidado como mosquito é pouco. É um desafio permanente. Recife tem o melhor carnaval do Brasil. Este ano tivemos menos dinheiro para investir, mas contamos com a compreensão da classe artística. Nosso Carnaval é democrático."
FONTE: UOL