Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
Trinta e cinco anos após promulgada, a Constituição brasileira foi
traduzida pela primeira vez para uma língua indígena: o nheengatu. Patrocinada
pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
a nova versão da Carta Magna foi lançada nesta quarta-feira (19) no município
de São Gabriel da Cachoeira (AM), em uma cerimônia na maloca da Federação das
Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN).
Presente no evento, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, diz que a
tradução marca um momento histórico. “Traduzir a Constituição para um idioma
indígena é um símbolo do nosso compromisso de garantir que todos os povos
indígenas tenham acesso à justiça e conhecimento das leis que regem nosso país,
fortalecendo sua participação na vida política, social, econômica e jurídica”,
explicou.
A Constituição em nheengatu foi feita por um grupo de 15 indígenas
bilíngues da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós, em promoção ao marco da
Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) das Nações Unidas. O
último levantamento de línguas indígenas do Brasil registrou que as 305 etnias
brasileiras mantêm vivos 274 idiomas no país, segundo o Censo de
2010.
“ (As línguas) conseguiram sobreviver mesmo diante de sucessivos ataques
desde o início do processo de colonização desse território, que já era casa de
inúmeros povos indígenas antes de ser chamado de Brasil. Por isso, preservar e
valorizar a diversidade linguística brasileira é fundamental para a construção
de uma sociedade plural e inclusiva”, destacou a ministra do STF Rosa
Weber.
Os indígenas presentes na cerimônia comemoraram a tradução da
Constituição. Lucas Marubo, do povo marubo, destacou que a tradução abre um
precedente para que outros povos também tenham seus direitos traduzidos.
“Momento histórico para os povos indígenas”, destacou. Já a tradutora Inory
Kanamari, do povo kanamari, lembrou que é a primeira indígena da sua etnia a
exercer a advocacia. “Estamos num país com diversidade imensa e não escuto
nossas línguas nos espaços. A gente precisa fazer parte”, concluiu
Inory.
Língua-Geral
Amazônica
A presidente do STF Rosa Weber disse que a escolha da língua nheengatu
se deu devido à importância dela para região amazônica. “Partiu da percepção de
que esta língua historicamente permitiu a comunicação entre comunidades de
distintos povos espalhados em toda a região amazônica, até a fronteira com o
Peru, Colômbia e Venezuela, e chegou, segundo historiadores, a ser prevalente
no Brasil, até ser perseguida e proibida”, explicou.
Chamada de Língua Geral Amazônica, o nheengatu é a única língua ainda
viva hoje que descende do tupi antigo, tendo traços que a relacionam com o tupi
falado na costa brasileira. “Aprendi que o nheengatu é uma língua do tronco do
tupi-guarani e legou para a língua brasileira milhares de vocábulos, o nosso
sotaque nasal e com prevalência de vogais, que em conjunto com a herança de
outros idiomas indígenas e dos idiomas africanos, caracteriza a nossa língua
como única e uma das mais ricas do mundo”, concluiu Weber.
Também participaram do lançamento da Constituição em Nheengatu a
ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e a presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai), Joenia Wapichana.
FONTE: DIÁRIO DE PERNAMBUCO